domingo, 31 de janeiro de 2010

Cognição - A virgularização da Alma.

Nunca gostei de vírgulas. Daqueles pequenos pontos com uma calda virada para a esquerda, criados para nos fazerem respirar. Jamais gostei da ideia de ter regredir os meus pensamentos por causa de uma vírgula mal colocada, ou então, por ter me esquecido de que elas existiam. Para mim as frases deveriam ser ditas tal e qual foram criadas. Sem vírgulas. Sem nada que as interrompessem e que as cortassem ao meio.
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Sou avessa a qualquer tipo de regra gramatical, ou melhor, sou avessa a qualquer tipo de regra, sejam elas imprescindíveis ou não. Sou rebelde, dizem-me eles. Só porque eu não gosto de virgular aquilo que sinto. Será o meu coração o único a se negar a aderir tais regras gramaticais? A intelectualidade de um génio não está na aplicação de uma vírgula, mas sim, no conteúdo daquilo que é proferido. E que se foda o sentido. Com ela ou sem ela, ninguém, nunca, entenderá a cem por cento aquilo que digo. Nem eu sou capaz de me desenvencilhar dos embaraços cognitivos. E quando sou, não é a vírgula que faz com que eu me compreenda, e sim, aquilo que não foi dito. Isso porque para se entender aquilo que não se diz, é preciso levantar o manto negro que encobre os sentimentos mais profanos. É preciso decifrar aquilo que os olhos não vêem por se negarem a ler o que não é separado por uma vírgula. E, acima de tudo, é crucial que escutemos a voz dos nossos pensamentos. Aquela que lê em voz alta enquanto estamos em silêncio. A única que se faz escutar quando nos negamos a ler em voz alta. A mesma que se nega a ler as vírgulas porque virgular aquilo que se sente não faz sentido. Nunga gostei de vírgulas, para mim, a virgularização do coração é o maior erro gramatical da alma.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010



Perguntou-lhe:

- Daniel, alguma vez te sentiste sozinho?


E ele respondeu:

- Bastante. Principalmente quando bato à porta, não atendo e concluo que não estou.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010





Tudo na vida passa, menos o resto, que fica. Tudo na vida passa, menos o frio na barriga. As pessoas que foram, permanecendo. O nó na garganta e a taquicardia. Tudo na vida passa, menos o arrepio na espinha. O fechar de um livro cuja estória é idêntica à minha. Tudo na vida passa, menos o virar de uma página que não vira. O cair de uma lágrima impossível de devolver aos olhos e a dependência à fluxetina. De resto, tudo na vida passa, só tu ficas.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010




Ó nuvens, malditas sejam, que me tapam a única chama áurea dos meus olhos. Os pássaros voam camuflados pelo vento que os sopra para longe, enquanto eu me apoio ao parapeito da janela, tentando, inutilmente, levantar voo. Malditos sejam os ventos contrários que, incapazes de suportarem o fardo do meu corpo, lançam-me, impiedosos, contra as pedras que me atiraram. Malditas sois, mãos que me apedrejam enquanto me vergo perante a tirania dos pecados. Nefastas garras que me apunhalam as costas enquanto me viro, e me acariciam as feridas no principiar das alvoradas. Malditos sejam todos vós que me escutam, pois aqueles que me entendem são os mesmos que me julgam e me condenam a viver junto as grades do meu infortúnio. Bem-aventurados sejam os raios que trespassam a barreira das sombras, pois são poucos, e brilham mais do que todos os outros que delas se alimentam. Ditosos sejam os passos daqueles que desconhecem o seu caminho, pois é no âmago das perguntas retóricas, que se encontram as respostas da vida. Felizes aqueles que nada sabem e morrem sabendo ainda menos, pois partem puros e desconhecem os monstrengos que carregam dentro deles. Triste de mim, que me conheço e me escuto e me vejo. Que mesmo trazendo duas asas ceradas, insisto em saltar da janela e partir de encontro aos pássaros encobertos pelas nuvens carregadas de cinzas. Ó nuvens, malditas sejam, que não me deixam ver o sol radioso detrás de vós, e me encerram dentro de um corpo que não sabe voar. Permitam-me, ao menos, iluminar metade do que sou, que a outra metade já não existe mais.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010






Eu sou A Menina Das Lágrimas de Cera. A criança que se senta no balanço de madeira. Eu sou a menina que se senta no balanço de madeira e espera. Eu sou a espera da menina que se senta no balanço de madeira. Eu sou a forma, a distância e o peso da sombra que me separa daquele que eu quero encontrar.

 Sou a chama que dilacera e o fogo que se alastra pelos quatro cantos da sala de estar. Eu sou a velha sentada na cadeira e sou a vela. Sou o derreter dos dois corpos velhos sentados no sofá. Eu sou a chama dos olhos daqueles que se apagam e o último suspiro de um coração a naufragar. Sou a solidão sentada nas escadas da igreja. Eu sou ela pedindo esmolas a quem quer que a veja. Sou um corpo incapaz de abraçar a própria sombra. Sou a distância entre o corpo e a sombra. Eu sou o corpo, tu és a sombra e o destino é a distância que nos teima em separar.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Devaneios da Madrugada pt.I

O meu irmão é esquisito. Quer dizer, não é esquisito porque é o meu irmão. É esquisito porque nasceu sendo esquisito e optou por continuar esquisito até hoje. Ninguém o acha tão esquisito como eu. Deve ser porque eu sou a irmã, responde a minha mãe (sorrindo). Você também é esquisita, exclama o meu pai. Aliás, você é o bicho mais estranho que eu já vi em toda a minha vida. Eu respondo que, esse bicho estranho que ele hoje vê, um dia foi um dos seus milhões de espermatozóides e que saiu do seu pingolim. Logo, o esquisito era ele. Você é o produtor deste bicho estranho, exclamo. Ele sorri. Não tenho culpa, responde, foi o teu irmão que pediu para você nascer…!
Olho para ele. Temos quatro anos de diferença e somos fisicamente parecidos. Só. Tirando isso, ele continua sendo esquisito para mim. Mas eu também devo ser um bicho estranho para ele. Principalmente no dia em que descolori a parte de cima da cabeça e só depois me lembrei que já não havia descolorante para o resto do cabelo. Conclusão: fiquei com a parte de cima amarela, com a parte de baixo castanha e passei 7 meses seguidos com ele me perguntando se alguém me tinha quebrado um ovo na cabeça.
 São nestes momentos que invejo os filhos únicos, mesmo sentindo pena. Pena porque não têm em quem bater quando estão com raiva, ou a quem fazer inveja com a sobremesa, nem a quem culpar quando fazemos arte, tão pouco a quem chantagear e extorquir quando nos convém.
A verdade é que eu se tivesse nascido ele, teria me espancado quando éramos pequenos. Mas não foi isso que ele fez…Até porque foi ele que me pediu, por isso aguenta…quem mandou querer uma irmã mais nova? 


Deus não aceita devoluções, nem o pingolim.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

À beira-mar .



Eis a beleza da vida:

Não pensar em nada.

Sentar-me na areia quente desta praia

E fazer-me onda na sua vastidão.


Não há nada mais belo do que encontrar nos teus olhos

- Duas amêndoas castanhas prestes a serem mordidas -

Um só coração para duas vidas

E um cruzar de mãos na escuridão.


Eis a beleza da vida:

Não pensar em nada quando estou contigo.

Deixar-me tocar pelos teus dedos

- Delicados pincéis sem tinta –

Enquanto ouvimos o som da nossa respiração.


Não existe amor dentro de nós:

Somos ocos.

E a nossa felicidade está em sentir o vazio

Que preenche o oceano da emoção.


Eis a beleza da vida:

Escutar a tua respiração ofegante

E ao silenciares, respirar por ti.


Perdoar-te por não me amares como eu te amo:

Quase nada.

E por me odiares porque te amo.

E por amares quem eu mais odeio.

E por viveres me amando assim, perdidamente,

À beira mar.

*
(ps: tio, ainda bem que gostaste das mudanças que fiz ao blog ^^ eu achei aquele bonequinho a tua cara! E não tiro ele de lá por nada !)

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

É estúpido, mas é verdade.

O que eu mais detesto no inverno, é sentir saudades dos meus pés. Não os vejo. Se não estão com sapatos, estão com meias. Se não estão com meias, estão com pantufas. Se não estão com pantufas nem com meias, estão debaixo das cobertas. Se não estão debaixo das cobertas, estão com meias e sapatos. E se não estão nem com meias, nem com sapatos, nem com cobertas, tão pouco com pantufas, estão no banho, vermelhíssimos, levando com água quente em cima.

Sinto saudades dos meus pés quando estamos no inverno. Talvez, passe a fazer como o meu pai: tirarei o sapato e as meias, guardarei as pantufas, esquecerei as cobertas e passarei a cobrí-los apenas com uma folha de jornal de ontem. Pelo menos assim, passarei a vê-los mais de uma vez por dia.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Breathe


Talvez a vida fosse melhor vivida se nós a vivêssemos sem nos apercebermos de que estamos vivos. Morrermos de amor sem darmos por isso. Sem cobranças nem promessas vãs. Vivermos apenas, sermos inteiros. Darmo-nos sem nos pedir de volta. Recebermo-nos de braços abertos. Sermos a nossa própria surpresa. Surpreendermo-nos. Viver é surpreendermo-nos com as coisas que nos rodeiam, como se fosse a primeira vez que as víssemos. Triste é aquele que já não se maravilha com nada, que se recusa a olhar para o mesmo quadro porque pensa que já viu tudo. Que se recusa a sair de casa porque acha que abrir a janela é mais do que suficiente. Ou então, aquele que nem sequer abre a janela porque lá fora a paisagem não muda. As árvores continuam as mesmas, a chuva não deixou de molhar e os pássaros cantam, há mais de cinquenta anos, as mesmas músicas. Estas são as pessoas que se deixaram morrer enquanto pensavam estar vivas. Falam, andam, respiram, sorriem. Mas o cordão dourado que as ligava à essência da vida, rompeu-se no dia em que decidiram fechar as janelas.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

3 graus negativos.

O inverno desta terra é obscuro. E não é obscuro porque é assim que, na maioria das vezes, eu me sinto. É obscuro porque o fumo que eu vejo sair das casas de madeira, é feito de gente. Amanhã - sem sombra de dúvidas - anunciarão no noticiário das oito que mais alguém morreu carbonizado pela sua própria lareira. Que alguém desmaiou para cima das madeiras em chamas. Quem um senhor tropeçou num dos pés do sofá e nunca mais se levantou. Ou então, que o fumo que vemos das nossas janelas, não é causado pelas fábricas, nem por incendiários criminosos. O negrume que nós vemos, é consequência de uma queda. De um pequeno tropeço que poderia ter sido evitado se a perna do sofá fosse voltada para dentro. E de um pequeno atrevimento. Se não se tivessem levantado, hoje eu não respiraria o odor nauseabundo que - dia sim/dia não - invade esta cidade.
Aqui, inspiram-se almas queimadas. E eu transpiro o cheiro delas. Amanheço com os olhos pedrados e tudo me cheira a incêndio. Mesmo que chova lá fora. Mesmo que do outro lado da estrada neve. Mesmo que ninguém se queime, eu amanheço chamuscada pela combustão das lareiras.
Para mim, o inverno é sinónimo de corpos torrados no meio da sala. Mas há quem goste do perfume do inferno. Desta miscelânea de odores pestilentos inconfundíveis às narinas dos que já morreram. Há quem goste, e quanto a isso eu não posso fazer nada.