quarta-feira, 30 de junho de 2010

É o Urubu?

Ué, estou achando que o Urubu voltou para nos assombrar, disfarçado num codinome meio que sei lá...
E o pior é o desgraçado ter copiado um cumprimento meu! Ora, iaibichum!

Pernas, para que vos quero?

No meu tempo de criança, a mulher ou era bonita ou pensava. A disjuntiva era absolutamente coerente com a verdade: ou isso, ou então aquilo.
No meu tempo de criança, a mulher ou era gostosa ou pensava. Idem para a disjuntiva.
Hoje em dia, muita coisa mudou. A creatura tem cérebro, uma peitaria e umas coxas de dar inveja.
O pior é não se acanhar de mostrar ao público, mas isto são outros quinhentos.
Pode?

terça-feira, 29 de junho de 2010

Talvez o tempo esteja me tornando cética, e eu ainda não me tenha dado conta. A minha consciência deu-se conta, mas o que ainda está por acordar, não.  É difícil não sê-lo, quando todas as teorias me parecem absurdamente improváveis. Daqui a pouco, duvidarei da minha existência, e a única maneira de provar que um dia vivi, será matando-me.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

De Augusto dos Anjos

Começaste a existir, geléia crua,
e hás de crescer, no teu silêncio, tanto,
que é natural que inda algum dia o pranto
das tuas concreções plásmicas flua.

A água, em conjugação com a terra nua,
vence o granito, deprimindo-o. O espanto
convulsiona o espírito e, entanto,
teu desenvolvimento continua.

Antes, geléia humana, não progridas!,
e em retrogradações indefinidas
volvas à antiga inexistência calma.

Antes o nada, ó!, gérmen, que inda haveres
de atingir, como o gérmen de outros seres,
o supremo infortúnio de ser alma!

p.s.: eu acho que (i) ou aqui Chico Buarque se inspirou para dizer "se fosse permitido eu revertia o tempo pra escuridão do ventre, curuminha, de onde não deverias nunca ter saído", (ii) ou foi muita coincidência, e os dois tiveram a mesma idéia de retração, retorno, retrogradação, o Chico uns 70 anos depois. Não é impossível, quero deixar bem claro.

domingo, 27 de junho de 2010

Como surgiu o meu nome...

Minha mãe queria que eu me chamasse Angélica, mas graças ao meu bendito pai – que se negou terminantemente a aceitá-lo – tal tragédia não aconteceu.
Ainda hoje eles contam como foi:

- Amor, o que você acha de Angélica?
- Você está ficando louca? – respondeu o meu pai Tholomyès, dando um murro na mesa de madeira.
- Não! Angélica…Angelical…Anjo, meu bem!
- De maneira alguma! Ela chamar-se-à Cosette Valjean da Costa Pinto Ribeiro Soares da Silva Conceição Cervantes Pessoa da Cunha Rubem Alves e ponto final!
- Se eu fosse você, eu tiraria o E Ponto Final…
- Mulher, Cosette é um nome forte! Filha minha não tem nome mongolóide não!

E assim foi. 
Todo o mundo sabe que eu sou medrosa. Que sou claustrofóbica. Desconfiada. Super hiper mega ultra (ou sei lá eu qual é a ordem disso) insegura. Que odeio quando me dizem: “ Eu tenho que falar com você”. Me dá um arrepio na espinha, e logo penso: “Ih, fiz merda.” Que odeio ainda mais quando me dizem: “Tenho que falar com você”, ai eu respondo: “ Fala” e o/a sujeio/a diz: “ Ah… deixa pra lá!”. Só eu sei a vontade que sinto de mandar a pessoa se f*der. Mas quando me dizem que têm um assunto super hiper mega urgente para falar comigo, eu não piro mais. Os assuntos hiper mega ultra super urgentes da minha mãe terminam sempre com um ponto de interrogação “ Menina ruim, eu tenho que pedir um beijo prá você?”, “Filha, lava a louça para mim?”, “ Filha, vamos passear? Vem descer o lixo com a mãe.”, “ Quer deixar de ser criança?”, “ Me empresta o seu esmalte preferido que você nunca emprestou para ninguém?, “ Vamos na padaria?” e a pior pergunta de todas: “ Quer sopa?”
No fundo, todas estas elas são retóricas, pois na maioria das vezes eu nem sequer me dou ao trabalho de respondê-las. Mãe que é mãe, tem o talento especial de pedir para que façamos aquilo que a gente mais detesta. Não é que eu não goste de a beijar, mas é que a filha dos sonhos dela sempre foi uma menina com o quarto super cor-de-rosa, com um armário abarrotado de coisas cor-de-rosa, com a mesa de estudos super hiper ultra mega organizada, com a cama ipecavelmente feita e, principalmente, que a beijasse no café da manhã, que lhe desse mais uns 5 beijos durante a tarde, e que corresse para o quarto dela antes de dormir e lhe amassasse as bochechas com mais 10.
 Coitada, talvez, se eu me chamasse Angélica, as coisas fossem (bem) diferentes…

quinta-feira, 24 de junho de 2010

O Perfume - Baudelaire. Sugestão de versão: J. Valjean - republicação inútil

Baudelaire

Lecteur, as-tu quelquefois respiré
Avec ivresse et lente gourmandise
Ce grain d'encens qui remplit une église,
Ou d'un sachet le musc invétéré ?

Charme profond, magique, dont nous grise
Dans le présent le passé restauré!
Ainsi l'amant sur un corps adoré
Du souvenir cueille la fleur exquise.

De ses cheveux élastiques et lourds,
Vivant sachet, encensoir de l'alcôve,
Une senteur montait, sauvage et fauve,

Et des habits, mousseline ou velours,
Tout imprégnés de sa jeunesse pure,
Se dégageait un parfum de fourrure.

Jean Valjean

Ó, meu leitor, já houveste respirado
com um misto de ebriez, gula e paixão,
o incenso, em um templo de uma religião,
ou um sachê, de almíscar impregnado?

O perfume nos lembra uma emoção
que nos resgata cousas do passado,
como lembrar o olor de um ser amado,
da flor selvagem do seu coração.

Ela cortou uns fios de seu cabelo,
e um pedaço de alfaia – de um modelo –
e me dizia: "que eu lhos dê mo apele!

Eu implorei; mos deu, partiu... não mais.
Deixou sachês de histórias imortais,
que inda têm o perfume de sua pele

L'ennemi – C. Baudelaire. Sugestão de versão: Jean Valjean, republicação inútil

Baudelaire

Ma jeunesse ne fut qu'un ténébreux orage,
Traversé çà et là par de brillants soleils;
Le tonnerre et la pluie ont fait un tel ravage,
Qu'il reste en mon jardin bien peu de fruits vermeils.

Voilà que j'ai touché l'automne des idées,
Et qu'il faut employer la pelle et les râteaux
Pour rassembler à neuf les terres inondées,
Où l'eau creuse des trous grands comme des tombeaux.

Et qui sait si les fleurs nouvelles que je rêve
Trouveront dans ce sol lavé comme une grève
Le mystique aliment qui ferait leur vigueur?

— Ô douleur! ô douleur! Le Temps mange la vie,
Et l'obscur Ennemi qui nous ronge le coeur
Du sang que nous perdons croît et se fortifie!


Jean Valjean

Foi-me a juventude toda tempestades,
ora entrecortadas por brilhantes sóis.
A chuva e os trovões destruíram-me herdades
onde plantei flores, nos bons arrebóis.

Hoje entristecido, no Outono da vida,
preciso tomar de um arado e uma enxada,
por reconstituir minha nesga destruída,
em que há covas fundas - túmulos sem nada.

Quiçá flores novas, sonhos de meu horto,
não hão de achar no solo que hoje está morto
místico alimento que as faça vingar?

Ó dor, ó dor! Passa a vida, o tempo fica,
e o obscuro inimigo, que nos faz sangrar,
do sangue que nos rouba se fortifica.

Epitáfio II

I

Aos vencedores,
A taça dourada.
Aos perdedores,
O pó da estrada.

O regresso
Parece sempre mais longo
Do que a partida.
E o bilhete para quem nasce
É só de ida.

O suor das pernas
É sempre mais grosso
Que o da cara.

E o cansaço pesa nas costas
Feito aço.

II

As colunas curvam-se
Em ângulos obtusos
Rentes ao charco.

Para quem fica, resta
Esperar que a poeira passe.
E para quem vai, 
Basta beber as águas de Março.

Se um dia encontrarem os meus ossos,
Diluam-nos em águas de creolina.

Desmanchem-nos como se eles não fossem partes
De alguém que não se despediu da vida.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Shame on you!



A morte de Saramago fez-me presenciar, de certo modo, a morte de tantos outros que Portugal fez o favor de matar antes mesmo de morrerem.

Para mim, para além da tristeza ou de qualquer outra lágrima que tenha ameaçado cair, está um imenso, enorme, gigantesco, desmesurado, descomunal e titânico sentimento de revolta. A dor da perda misturada com o inconformismo que sinto ao ver nas faces de alguns, o contentamento, e noutras, um falso pesar. A repugnância que sinto por um Presidente que recebeu um Papa de m* de maneira magnânima, não medindo esforços para transmitir um falso esplendor de um país que, no fundo, está para lá do fundo do poço, mas que se negou terminantemente a marcar presença na cerimónia ao único português Prémio Nobel, claramente por motivos políticos. Não foi solicitado que ele chorasse, tampouco que se debruçasse sobre o corpo de Saramago, foi pedido apenas que marcasse a sua presença – coisa que nem sequer se deveria pedir, visto ser clara, pelo menos para mim, a sua obrigação como chefe de Estado.

Mas ele não foi – não pelo que eu saiba. Posto isto, concluo algo que sempre soube: este Presidente é, sem tirar nem por, um belíssimo reflexo do seu povo. Gentinha de mente afunilada, de alma e espírito rancorosos. Um povo mergulhado num Catolicismo negro, inflexível e que age em oposição àquilo que prega.

 Portugal é um país ditatorial, albergue de um povo falsamente livre. Ai de quem não siga as regras! Ai de quem ouse erguer a cabeça entre os subordinados, e se atreva a reagir contrariamente! Ai de quem tenha provas contra o partido socialista mais corrupto e contra o Primeiro-ministro mais mentiroso que alguma vez vi. O que havemos de esperar de um Ministro que se diz engenheiro, cujo diploma é falso e assinado a um domingo?

Saiu uma nova agora: Por causa da crise, as famílias estão buscando os seus velhinhos dos asilos e levando-os para casa. Ataque de compaixão? Saudades dos pais, das mães e dos avós? Não. Buscam-nos somente por causa da miserável reforma (aposentadoria) que recebem ao fim do mês. 

Custou-me crer, mas por pouco tempo.

Por outro lado, saiu ainda uma outra notícia: Para gastarem menos, os portugueses preferem diminuir os gastos da alimentação e dos medicamentos, em vez de se livrarem do segundo carro, ou venderem o plasma da sala, ou diminuírem as viagens ao exterior. Posto isto, eu me pergunto em que mãos estarão os doentes, sejam crianças ou idosos que precisam dos remédios e de uma alimentação minimamente decente. Sem falar que Portugal está definhando aos poucos, visto que a população é maioritariamente idosa e a taxa de natalidade é praticamente nula. O interior do país está desaparecendo, transformando as aldeias alegres de outrora, em aldeias fantasmas. Centenas de escolas fecham todos os anos porque são muitos estabelecimentos de ensino para poucos estudantes.

Dá para acreditar numa coisa destas? Agora morre o único português Prémio Nobel da Literatura, e o Presidente (hiper católico) age como se nada fosse. Como se tivesse morrido o Zé da esquina. Um tuberculoso sem pé-de-meia. Mas quem morreu foi Saramago, o homem mais lúcido das últimas décadas. Lúcido o suficiente para mandar esta terra pro inferno e ir viver na sua ilha.

Estou certa de que isolar-se foi a melhor coisa que lhe aconteceu. Portugal não merece, nem nunca mereceu, os génios que Deus lhe deu.



domingo, 20 de junho de 2010

Cuspo o mundo insólito que me habita. O mundo que as matemáticas não explicam, as fórmulas não decifram e os vermes, a pouco e pouco, devoram.
Cuspo o mundo que me cospe, rejeito a vida que me rejeita, verto o pranto que bebo no cálice dos dias.
Luto pelo direito de ser, já que estar não me basta. Todavia, quando cuspo esse mundo que desprezo, mergulho nele em seguida, uróboros que somos.
Seu alfa, meu ômega. Moto-perpétuo de sofrimento.
Cuspo-me, e o que regurgito é algo irreconhecível.
Sou a radiografia de meus males, a sombra de minha sombra, o reflexo de uma imagem distorcida, um sinal de crase numa palavra masculina em que não haja fusão de preposição e artigo.
Sou a errônea concordância de gênero e de número.
E nesta azáfama interior, os acentos graves ficam para todos, que não deveriam acentuar-se assim, e os agudos para os ditongos abertos que já não mais os comportam.
Cuspo o que é certo e eu desconhecia; engulo o que é errado. Por alguma razão, preciso disto.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Resenha para Beowulf - Jean Valjean (republicação)



Há muito tempo, era bem jovem ainda, li – traduzido... ou melhor, tresli – o poema épico Beowulf que, segundo as fontes, teria sido escrito entre os anos 700 e 1000 d.C. Esqueci-me quase inteiramente da história ali narrada. Num fim de semana do último quartel do ano passado, contudo, de ânimo taciturno, assisti ao filme de Robert Zemeckis, "A Lenda de Beowulf", e o ano lá sugerido é o de 547 da Era Cristã. Como não é a parte histórica que pretendo comentar, mas apenas fazer uma digressão sobre alguns temas centrais e personagens, deixo os evos para os historiadores e estudiosos. Beowulf, o "herói" – a idéia maniqueísta é lançada desde o início da obra - vai ao Reino de Hrothgar para matar um monstro: Grendel. Mal sabia que ia à busca (e ao infeliz e necessário encontro) de si mesmo, e que Grendel não era verdadeiramente um demônio, senão um totem a ser sacrificado. Este meu brevíssimo lanço de olhos, então, dá-se sobre o filme, e não sobre o texto escrito.


Em primeiro lugar, é preciso frisar que há algo patente no protagonista da obra: Beowulf quer o aplauso do público. É jovem, é forte, é audacioso. Mas que aplauso, realmente, buscaria? E a que preço? Não vou pesquisar agora, para que me não fujam à memória (a apossínclise é propositada) dados que desejo consignar aqui; porém, ou é Pascal, ou é Voltaire, a dizer que somos tão ambiciosos, que desejaríamos receber a ovação do mundo inteiro: quereríamos que todos nos conhecessem e adorassem; entretanto, ao mesmo tempo, somos tão vãos, tão vazios, que o reconhecimento de um pequeno grupo, que nos cerca, envaidece-nos e nos refesta a vaidade (a ambição pelo - ou por um suposto - reconhecimento alheio). Foi assim que vi Beowulf: seu calcanhar-de-aquiles é sua vaidade; e outro "pecado capital" que o acomete: a luxúria. Como pecado capital é "cabeça-de-chave" (caput), cada qual traz consigo pecados menores, desde os veniais (os que admitem vênia) até os quase famélicos pecadilhos (isto é Santo Tomás). Entretanto, ele é herói. É mito. Sua coragem é muito acima da média, pois até seus maiores medos pode enfrentar.

Grendel, visto pelos olhares simplórios como um sanguinário ogro, é mero pecado venial. Ele é fruto, não árvore. Ele é criatura, não criador. Reage, não age. Ataca salões de festas, pois a algaravia, a alegria, as comemorações, machucam-no. Ele é um pária social. É preciso matar a má-inteligência, o "pecado capital", mas essa parece ser imortal. Lúcifer é o "porta luz", o candeeiro, o símbolo da inteligência. E assim a mãe do disforme e agressivo (senão agredido) ser.


A vaidade sem discernimento e a inteligência sem moral, quando se cruzam, geram os monstros da culpa, os dragões da consciência. Desde o início Beowulf deixa-se trair, para o bom observador. Parênteses para lembrar a todos os que leiam este texto: o leitor atento não se fixa apenas no que é dito, mas também no que ficou abscôndito nos ângulos de um triângulo formado pelas retas do que se pode e não se deve dizer; do que se deve e não se quer dizer; do que se quer, mas não se pode, nem se deve dizer (aqui talvez a hipotenusa, cujo quadrado é igual à soma dos quadrados dos catetos. Ela, a linha maior. O querer é enorme, e limitá-lo é, às vezes, hediondo, embora possa ser obrigação). As entrelinhas, as intenções, a reserva mental, tudo isso compõe as obras escritas, interpretadas ou, de qualquer forma, expostas ao público. Parênteses, dentro dos parênteses, para falar em Jung. A obra: Mysterium Coniunctionis. Ed. Vozes, obras completas, vol. XIV/2, Petrópolis, 1990. A comissão de tradução deixo para vocês, que forem ler... Na página 222, item 333, diz o Autor:


"... os símbolos são tendências cuja meta é ainda desconhecida. Pode-se decerto pressupor que na história do espírito valham as mesmas regras fundamentais como na psicologia do indivíduo. Na psicoterapia ocorre freqüentemente que certas tendências inconscientes, ainda muito antes de se tornarem conscientes, deixam perceber sua presença por meio de símbolos que surgem o mais das vezes nos sonhos, mas também nas fantasias durante a vigília e nas ações simbólicas. Muitas vezes se tem a impressão como se o inconsciente tentasse por meio de alusões de todo o tipo e de analogias penetrar na consciência, ou como se ele empreendesse exercícios lúdicos mais ou menos preliminares, a fim de conseguir ganhar a consciência para a sua causa..."

Fecho todos os parênteses com o dizer que a expressão facial de Beowulf, além de envelhecer, vai-se tornando, a pouco e pouco, cansada, desgostosa. Ele de há muito não crê em si. Foi corajoso até um determinado momento; de lá em diante, um covarde. Era necessário matar um totem e vencer alguns tabus. Herói que é, renascerá, ao depois, como todo herói renasce, ou não morre - exemplos são El Cid, D. Sebastião, Simão, Solimão, Alexandre, o próprio Cristo; contudo, sem que possa debelar todo o mal causado.Vivemos espremidos entre tótemes e tabus. Enrolamo-nos diariamente nos áureos fios de Hephaistos. O vinho de nosso ego revela-nos as verdades inconfessáveis (in vino veritas é reles início para a exegese da magnânima obra "A Pane", de Friedrich Dürrenmatt – nesta, magistralmente, à medida que se penetram os meandros da alma, os vinhos se tornam mais velhos e mais nobres... perscrutação e recompensa. A sabedoria dos anciães atinge a consciência culpada de Alfredo Traps, mais jovem e menos experiente). A história dos Homens (gênero) se repete: nosso ébano é iluminado; nosso mármore, nossa parte obscura (eu não quis dizer o contrário, não se espantem).

Como devaneei dia desses, algures, o dizer é, muitas vezes, o obverse do pensar. O que escondemos nos oprime. O que revelamos pode matar-nos, mas nos liberta. O apocalipse do corpo quiçá venha a significar a Gênese da alma. Não há epifania antes da travessia de todo um Mar Vermelho, celebrações, sofrimentos entre canículas desérticas, pestes, pragas, chagas, previsões, decapitações e... não há.

A mitologia nórdica e o cristianismo fundem-se e se confundem na obra. O nome de Odin é e(in)vocado reiteradamente; o Cristo, embora rejeitado, pode ser refúgio. Cruzes que caem, fogos que as consomem. Odin sacrifica-se pelo saber (ou pelo poder?). Fausto entrega sua alma ao diabo – pelo saber? pelo poder? Prospero, de Shakespeare, depois de traído e exilado numa ilha com sua filha Miranda, em "The Tempest", descobre, nos alfarrábios de uma bruxa, conhecimentos que lhe dão poder. Saber é poder. Esconder(-nos) faz-nos a fragilidade. A morte é o fim de todos. E até o próprio Jesus, se considerado, como Nietzsche o faz, criminoso político, e como tal julgado – e condenado –, morre, e a ele, o Cristo, sobrevive o mal (fica a promessa de um "consolador", que ninguém pode garantir, senão religiosamente, venha). A "serpente" envolve nosso protagonista Beowulf, e ele cede e acede. "Caim, que fizeste?", parecia-lhe ouvir, no eco da consciência, o tempo todo. Hrothgar é Rei, mas também traz a consciência intranqüila, o que o torna escravo. Foge de um monstro – que ele mesmo criou e não sabe como exterminar. O "agênere", entretanto, persegue-o flagelando os seus súditos, e não a ele, o Rei. Ver a morte dos que amamos pode ser mais cruel que o impingir-nos a própria morte. O Rei não é somente altruísta, mas egoísta, outrossim. Não é possível cultuar o alter sem cultuar o ego; e quem cultua, pelo fato de o fazer, fá-lo (verbo mais ênclise, pois do herói já se falou) atávica e, consectário, no mais das vezes, inconscientemente.

Parecia-me ouvir a condenação de Jeová, na tábua dos mandamentos: os filhos pagarão pelos pecados de seus pais, até a terceira ou quarta geração, pois sou deus vingativo... Hrothgar é pai de um monstrengo. De um pobre Frankenstein. De um Caliban (que culpa têm esses seres semi-conscientes?). Acima de tais criaturas há uma inteligência que as concebeu e criou.

É preciso voltar para dizer algo: Unferth, cortesão no Reino, é um símbolo quase protruso da (in)consciência na obra. Em princípio, perseguia Beowulf, querendo expor ao mundo as fraquezas do protagonista. É que o herói teria perdido uma competição de nado para um outro homem, também valente. Naturalmente, não se agride a pessoa que não nos agrida. Inveja? Provavelmente, sim. Ele queria o reconhecimento e os clamores de que gozava Beowulf; todavia, o protagonista trazia culpas consigo. Fragilidades. É humano. Mentiu. Perdeu uma competição. Tê-la-ia perdido para matar monstros, ou esses monstros seriam factóides, cortinas de fumaça feitas para desviar a atenção que se gerou sobre um fracasso seu? Ao fim, ele se entrega a uma sereia (a própria mãe de Grendel), a que mais tarde entregar-se-ia novamente, omitindo outra vez o fato. Sucumbia à mentira derivada da vaidade. Sucumbia à mentira derivada da luxúria. Os pecados veniais vêm para justificação dos capitais.

Voltemos a Unferth.

Os que nos criticam podem ajudar-nos. Podem ajudar-nos mesmo se colimem testar até onde podemos chegar (com a verdade ou com a mentira). Quem nos inveja deveria ser bem-vindo ao nosso lado, pois que há-de apontar defeitos que não vemos, embora tenhamos. Provavelmente, Unferth sabia que Grendel não era a origem do mal; talvez soubesse que era filho da união espúria entre o Rei Dinamarquês e a "bruxa", "feiticeira", "inteligência sem moral", personificada ou des-personificada, mas "personificável".Ele dá uma espada a Beowulf, e talvez soubesse que não seria uma espada instrumento hábil a matar um ser-não-ser, imaterial, "actus (im)purus", "natura naturans". Ou talvez não soubesse; entretanto, Beowulf mentia.

Se o dito "ogro sanguinário" era a representação do medo, este o herói enfrentou sem roupas. Arrostou-o. À medida que o enfrentava, o medo diminuía, degringolava, foi mutilado, decepado mesmo e, finalmente, morreu. Mas o medo é menor que a origem do medo. O medo é bem menor que a decifração de si mesmo (a impossível decifração do enigma, do verdadeiro enigma da esfinge).

O medo é bem menor que o labirinto sem Teseu, e só com Minotauro; sem Ariadne, só com armadilhas e jovens sacrificados(as), e sangue: o impossível nosce te ipsum. O Rei Hrothgar errara antes de Beowulf. Cedera à tentação. Experiente, notou, quando Beowulf voltou das terras da mãe de Grendel, que o admirável guerreiro caíra – como ele mesmo, sumo soberano – em tentação. Mentir para quem conhece bem o objeto sobre que se mente é acusar-se. O Rei, desolado, entrega a Beowulf sua coroa e põe fim, estoicamente, à própria vida.

Os brados psitacistas que faziam ecoar o nome de Beowulf, os festejos que comemoravam sua "vitória", tudo isso fora-lhe inócuo, se não o veneno que, em doses mitridáticas, o matava. Queria os aplausos legítimos, pelas vitórias verdadeiras, e não o ovacionar surdo e incontido sobre a vitória que o derrotara - sua vitória-de-pirro. A mulher-lúcifer, sedutora, superior a ele, fê-lo dar-lhe um filho. Mais um rebento do mal. Um dragão, poderosíssimo, que cuspia labaredas, que submergia n'água, e que ele, Beowulf, tem obrigatoriamente de combater.Responsabilidade aquiliana: causou, por sua fraqueza (culpa in vigilando e in eligendo) mal a seu povo; deveria debelá-lo. E não à origem do mal, esta imorredoura. Contou com a ajuda, sempre, do amigo Wiglaf, que acabou por salvar a vida de sua esposa e de sua (quiçá) amante.

Já revelei tanta coisa, que vou deixar, para quem for vê-lo, a conclusão deste filme. Palmas para Beowulf, que é um ser-humano, e não uma divindade. Por isso, dedico-lhe as palavras abaixo, de Shakespeare, pela voz de Prospero, em "The Tempest":


Now my charms are all o'erthrown,
And what strength I have's mine own,
Which is most faint: now, 'tis true,
I must be here confined by you,
Or sent to Naples.
Let me not,
Since I have my dukedom got
And pardon'd the deceiver, dwell
In this bare island by your spell;
But release me from my bands
With the help of your good hands:
Gentle breath of yours my sails
Must fill, or else my project fails,
Which was to please.
Now I want
Spirits to enforce, art to enchant,
And my ending is despair,
Unless I be relieved by prayer,
Which pierces so that it assaults
Mercy itself and frees all faults.
As you from crimes would pardon'd be,
Let your indulgence set me free.

domingo, 13 de junho de 2010


Às vezes pergunto-me se fui eu que me tornei insignificante ao ponto de já não enxergar significado no que antes era importante, ou se o que era importante já não é mais porque a importância também desgasta, também desbota como uma roupa velha esquecida no fundo da gaveta. Se assim for, com o tempo, talvez eu me tenha tornado na meia velha que coloco de lado sempre que busco uma mais nova. No pé esquerdo que procura pelo direito sempre que a gaveta se fecha, e no velho trapo que se camufla entre as peúgas novas com uma esperança absurda de ser calçado novamente.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Eu não queria amar de novo... não agora.

Luto contra um sentimento que considero perigoso. Ele chega como um simum, e embora se lhe possam pressagiar a força, o ímpeto e os estragos que causará, quando de fato avulta é assustador.
Desgraçados os que amam, pois sofrem. Sofrem de um mal que quanto mais nos vê sofrer mais nos leva ao torvelinho da dor.
Devia haver um círculo no inferno dedicado apenas ao amor. Infeliz de quem caia nessa rede de Hephaístos; triste o que perca o prumo e sinta o perfume das flores, no campo, levado a lembrar-se de outro alguém.
Não, isso não é certo. É um castigo de Deus para o pobre mortal. É lá que se nos flagra em desequilíbrios de fraqueza, prantos escondidos, suspiros que se engolem, olhares que não podem e... se cruzam. E quando se cruzam lá vem a pororoca.
Amor é dor, é ausência de paz, é turbulência quando se imaginava tranquilo o voo, é renúncia à razão, é o fado, mas o fado fadado ao infausto.
Tudo se dá como se Cloto, Láquesis e Átropos viessem até nós e avisassem: "vamos puxar violentamente o fio de sua vida." E tome earthquake, e tome aftershock.
Não se escolhe amar. O amor nos escolhe. Escolhe-nos, da casa grande para a senzala. Esta a direção da coisa. Pensamos estar livres justamente quando o cárcere se fecha.
Amar é condenar-se a ser fruto inconho; é impingir-se o castigo de um jugo pesadíssimo sobre a cerviz, que passa a andar sempre curvada.
Amar é uma doença contra a qual penso haver logrado imunidade - a vacina do tempo.

terça-feira, 8 de junho de 2010

O meu tio me ama - Pt I ( ainda sobre o maldito Toblerone!)


Jean diz: Vou comprar para você chocolates Garoto

Cô, toda contente, responde: Ainda são bons?


Jean, sorrindo maldosamente, esfregando as mãos: São horroríveis. É pra v. aprender a valorizar os ovos moles e o toblerone.

Cô, com lágrimas nos olhos, grita: Bicho ruim! Eu vou indo, vou dormir que é o melhor que faço. Essa conversa ja me desgastou!

Jean, quebrando tudo: Ah, é? vá, então, ingrata.  Vai sonhar que está se afogando com as lavas do vesúvio, só que elas vêm como ovos moles. E v. vai engolir tudo! Quando conseguir fugir às lavas, vai correr e achar um pedaço de terra vazio,  inóspito e lá só terá toblerone por alimento! Amanhã v. me conta se acordou vomitada! 
huahuahuahuahuahuahuahuahua! 
huahuahuahuahuahuahuahuahua! 
huahuahuahuahuahuahuahuahua! 

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Postagem de m*, só para uma carraspana na sobrinha


Dona Cosette,

a gente manter blog em família é sempre um problema.

Como assim, não gosta de Toblerone??
Rogo a Vossa Senhori(t)a que se explique...

sábado, 5 de junho de 2010

As pessoas, nas fotografias

As pessoas somos tão outras, nas fotografias!
Na hora do flash, parece que a fragilidade nos abandona, somos perfeitos, felizes, argutos, e um baile de máscaras - ou de pátina, como alguém já disse - se inicia.
Cria-se uma ilusão, um sonho, um momento de catarse. Num sorriso forjado por e para nós, fechamos o instante anterior de tristezas. O mirrado etíope torna-se um guerreiro espartano. A moça triste ganha as passarelas.
O futuro que se encerrara ontem dá lugar ao passado que passará a viger amanhã.
Faz-se o eterno presente-ausente. Deixamos lá a nossa impressão-expressão impressa à pressa no big-bang de um flash.
Olhamos para o nada. Para a lente que nos não vê. Olhamos para o horizonte que em vida não temos. Damos vazão a um personagem. De Molière, de Sófocles, de Shakespeare, de Nelson Rodrigues? Pouco importa, cada um é protagonista do seu átimo iluminado.
Logo depois vem o negrume. A escuridão da vida, e o que ficou eternizado no momento de luz quase se apaga na memória irrefletida dos evos.
Vem o vento gelado, que sucede aos zéfiros brandos, que sucedem o período ignoto da infância. Vem o beijo da morte, vem o devir. Fica a imagem. Vai-se a alma.
À fria foto falta fôlego, falta o sopro da vida.
As fotos flagram a frigidez e a frieza do fogo.
Depois, o além. Ou o aquém.
Amém.

Vomitar o mundo que nos vomita

é às vezes é o único modo de poder voltar a pensar num mundo palatável.
Melhor era não haver essa relação antropofágica, pois que resulta numa inaceitável i-mundofagia; como, entretanto, fugir a ela?
É preciso vistamos confortavelmente o espaço que habitamos, para não sermos nós mesmos desconfortáveis para o espaço que nos veste.
É preciso tempo para aprender a preencher espaços. É preciso haja juízos a priori para que venham os a posteriori.
Jean, en-Kant-ado.

Cibernética

De repente você não consegue segurar e lhe escapa um spum, que é o pum spam. Em vez de ir direto para o lixo eletrônico, it pops up na sua caixa de saída e... uffff! Nuvem verde de desprazer.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Fascínio.

Eu também não sei porquê, mas eu tenho uma queda pelos escritores/poetas suicidas. Caio com eles. Seja com um tiro na têmpora, como Camilo, seja envenenada, como Sá Carneiro.
Eu não sei porquê é que insistem em me apresentar a mais de duas pessoas ao mesmo tempo. A pior coisa que me podem fazer – e que fazem sempre, sistematicamente – é formarem um círculo a minha volta – uma jaula circular – e saírem dizendo seus nomes, perguntando o meu, me apertando a mão e me indagando se eu sou de origem chinesa (?) Ok, eu sei que tenho os olhos puxados, mas não é para tanto!
Gente, eu não guardo o nome de ninguém, ok? Sou franca. 
Trinta segundos depois, eu sei lá como você se chama.

Como fazer a mãe desistir da academia:

Ela, na cozinha, toda animada:

- Filha, nos matriculei numa academia!
- Acadê quem?
- Academia, filha, vamos nos exercitar juntas!
- Nossa, que emoção! – respondo em tom irónico.
Ela não nota.
- Vamos transpirar que nem porcas! Iuuppii!
Ela não responde.
- Vamos feder prá caramba! Weee!
Ela me ignora.
- Mãe, vamos feder!
- Lá tem chuveiro, Cô.
- Opá, vamos voltar com pé de atleta!
Ela não responde.
- Mãe, vamos ganhar pereba!
Silêncio.
- Mãe? Olha para mim!
Ela olha:
- Pe-réé-báá!!