terça-feira, 30 de março de 2010

D(eu)s e o Diabo.


Ele senta-se no pico mais alto da montanha,
E eu O fito sem motivos nem respostas.
Ele aponta para o lado oposto do meu corpo,
Enquanto eu me descasco
Dos arrependimentos e desonras.

Diz-me que o que as nuvens ocultam
Ninguém sabe: nem Ele, nem Zeus, nem os Anjos.
Fita-me, descansado, os desertos do meu peito,
E nos seus olhos as minhas dunas se dissolvem.

Persigo, na floresta, o diabo que carrega minh'alma.
Entre árvores e arbustos ele encobre,
O quase nada que em mim
Se descolore.

Nos braços, tenho um arco e duas flechas.
Nos olhos, uma visão já quase cega.
Nos bolsos, a esperança me escapole
Enquanto as nuvens, todas elas, se escondem.

Ele tropeça num arbusto junto a poça,
Eu ergo o arco para acertá-lo pelas costas.
Deus, sentado no rochedo mais distante
Fita-me altivo, embasbacado, quase mole.

O outro encolhe, em silêncio, já chorando.
Dentro de mim, sinto uma alegria quase pobre.
Entrega-me a alma, toda suja, arreganhada
E deixa-me a sua, pura e límpida
Enquanto foge.

domingo, 28 de março de 2010

Amar - do tempo em que eu ainda acreditava no amor (Jean Valjean)

Amar é achar alguém, em meio ao mundo,
Em cujo olhar toda noss'alma esteja;
É imprescindível que esse ser nos veja
E, em nossos olhos, veja su'alma, ao fundo.

Esta impressão primeira, um só segundo,
Há que cessar; e o que depois sobeja
- além dos olhos – é o que n’alma esteja:
o amor, em seu sentido mais profundo.

O amor sincero – quem o nega? Eu minto? –
Está além da razão, vive de instinto,
E achá-lo é achar, em meio à lama, o ouro.

Aliás, se o tal do amor é duradouro,
Vão-se alma, olhos, razão, instinto e vida,
E ele inda voa, alegre, a toda brida!

Para onde vou? (Ao Padre António Vieira) Autor: Jean Valjean

Ao fenecer das luzes desta vida,
Quando o singulto extremo eu exalar,
Não sei se a campa, assim que se fechar,
Será, do mundo, a eterna despedida.

A viagem rumo ao Nada há se esperar?
Ou será a morte apenas a partida
Para outro plano, onde ágil, desabrida,
A voz de Deus irá me interpelar?

“E quem te fez saber que estavas nu?”
“Que fizeste, Caim?, onde teu irmão?”
“Tua primogenitura, isso é verdade?”

Temo queira abraçar-me Belzebu,
E a morte, ela ser-me-ia a solução,
Pois temo, mesmo, só a imortalidade.

De “Poemas e Canções”, a 6a Cantiga Praiana, Vicente de Carvalho

Sobe o sol? A noite desce?
Dia e noite são-me iguais:
Se tu chegas, amanhece,
Fica noite se tu vais.

Os meus olhos são de cego
Para o que de ti se aparte:
Só em te ver os emprego,
Mal me bastam para olhar-te.

Gorjeie o sabiá gemendo
Nas aroeiras em flor:
Mal o escuto e não o entendo,
Que só sei do meu amor.

Que há de entender no exagero
Das queixas dos infelizes
Quem ama como eu te quero
E escuta o que tu me dizes?

Sei que há roseiras viçosas
Porque, com os olhos em ti,
Vejo cobrir-se de rosas
Um lábio que me sorri.

Seja abril ou junho, quando
Eu estou à tua espera,
Logo que tu vens chegando
Principia a primavera.

Espírito Lisboeta



Eu nunca fui uma pessoa propriamente religiosa, mas sempre acreditei que detrás daqueles mantos de aguaceiros, encontrava-se alguém de cabelo grisalho, sentado na sua poltrona celestial, observando os meus movimentos. Não faria sentido a vida presentiar-nos com um céu e universo tão imensos, se não existisse alguém que cuidasse deles. Eu fitava o Olimpo tentando encontrar respostas. Procurando a saída de um labirinto desenhado pelas minhas próprias mãos. O céu respondia-me com chuvas torrenciais, desmoronamentos de terra e com o silêncio. Com a mesma tranquilidade que se sente depois de uma tempestade. Com a quietude pós chuva, onde ouvimos o cantar dos pássaros escondidos nos ninhos. Onde se escuta o chacoalhar das folhas e o cair das pétalas no solo ensopado. Era isso que eu ouvia ao mirar o Tejo: o cantar dos pássaros em cima das árvores, e o passar do tempo reflectido no seu leito.

quinta-feira, 25 de março de 2010

That moment - Autoria: Jean Valjean

Busco um momento, e nada mais desejo.
Um só instante, um boom de descobertas
em que horas mortas tornem-se horas certas,
e em que os escuros tornem-se lampejo.

Nesse momento, que ora assim o almejo,
as flores estarão todas abertas,
olentes, orvalhadas e despertas,
pra ver o Sol nascer, sem mágoa ou pejo.

Tudo será beleza, e num rompante
as mãos da natureza, então triunfante,
virão poisar serenas nos meus ombros.

E então, num grito louco, tonitruante,
renascerei do meu abismo hiante:
levantar-me-ei, debaixo dos escombros.

“With some friends, you want to be playful rather than deeply disclosing”

Susie Orbach - psychotherapist

Evasão

Sabe quando está chovendo lá fora, e tu estás lá dentro, dentro de casa, no seco, no áspero e abafado, olhando para a janela, ouvindo a chuva esborrachar-se no vidro? E estás sentado ou deitado, ou inclinado na cadeira, olhando sempre para a janela, ouvindo a chuva cair. Nada é mais excitante do que o som do aguaceiro enxarcando as gabardinas negras dos infelizes que caminham lá fora. Não há solidez maior do que as pedras de granizo.
Sabes?

Vários minutos se passam, e aí, de repente, ainda com os olhos fixos na janela, te apercebes de que ela está aberta e de que o tapete encontra-se absolutamente enxarcado. Saltas da cadeira, em total desespero, enquanto te indagas a razão de não teres reparado que a maldita não estava fechada. Descalço, pisas no tapete para fechá-la. Tentas secar o peito do pé, os dedos e o calcanhar no tapete molhado. Voltas para a cadeira e agora olhas para a irregularidade das tuas pegadas. Fixas os olhos no chão enquanto a chuva, lá fora, continua sovando os desabrigados. Segundos depois, despertas para a realidade com a sensação de te terem sussurrado ao ouvido que as pegadas já haviam secado.
Sonolência? Distracção? Evasão do espírito?
Lá fora, continua chovendo pedras de granizo. Aqui dentro, a minha mãe me matará quando souber do tapete molhado.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Choro pela pena

Insta escrever; deixar escorrer a tinta das lágrimas no papel virtual. Molhar a pena em veias e artérias, chorar no papel que não molha.
A face perlada de orvalho interior, o coração palpitando sobre o teclado, o pretérito perfeito contra o presente imperfeito, o "haja hoje para tanto ontem" (de Leminski?), o haja alcatruz para tanta água.
Batizo-me neste pranto: quero imergir homem velho e emergir homem novo, para depois entregar à Salomé do futuro minha cerviz, a fim de que a decepem e, numa bandeja de prata - o verniz de nossa espécie - servir aos olhos ávidos das águias famintas.
Tenho de subir o Calvário sem um Cireneu que me auxilie? Devo levar a minha cruz, para que depois ela me leve?
Bridgeless chasm só dentro da alma. Os de fora não me assustam, pois todos são transponíveis.
Quero um copo de vinho, para dele extrair minhas verdades angustas; quero o perdão dos que me feriram, e enxugar o pranto dos que não choram. É o último desejo de um condenado.
Fechem as portas, por favor. Apaguem as luzes. Quero a bênção da escuridão esfaimada que há-de tragar-me nos torvelinhos do sempre, para que se me realize o tão sonhado nunca.

Não sou homem, não sou mulher

Cosette, você - como de praxe - me obrigou a mexer os neurônios. Falou lá embaixo de castelos, príncipes, princesas, etc, e me fez lembrar que muitas vezes ser homem me incomoda.
Ser do sexo masculino. Sexo me faz lembrar secção, departamento, divisão, subdivisão, burocracia.
Eu não posso ser apenas humano? Nem homem, nem mulher, nem corpo, nem nada?
Ser macho e ser fêmea. Troço estranho. Às vezes eu me sinto tão espírito, tão essência, que chego a me sentir espancado pela Natureza, que me deu um corpo e me impôs um sexo.
Quando estou com a libido lá no dedão do pé (digo, com a libido sob o dedão do pé esquerdo, pisada), eu não tenho sexo, eu apenas sinto, penso, vejo, ouço, reflito.
As melhores coisas no ser-humano não estão bem acima dessa setorização macho/fêmea?
Ou é o colesterol que me subiu às têmporas, e me embota o raciocínio?

Há cheiros...

Há aromas tão gostosos, que eu gostaria de pegá-los, botá-los num pedaço de pão e comer...
E isso me faz lembrar a felicidade. Se bem que se eu pudesse aprisioná-la num pedaço de pão ela mesma ficaria baça e triste.

A hipocrisia

É muito estranho não ser qualificada como pecado capital. Muito estranho, mesmo. Será que é pelo fato de ela nortear a vida dos próceres da(s) Igreja(s)?


Cresci rodeada por adultos. Na minha rua, quase não havia crianças e os meus amigos de escola nunca duravam para sempre. Cresci rodeada por adultos e por mentes adultas, por gestos perversos, pensamentos sórdidos e desejos implícitos. Cresci ouvindo conversas sobre a política, capítulos das novelas e devaneios amorosos. Durante muitos anos, eu fui a menina mais nova da família. Sete anos após o meu nascimento, nasceu um menino e seis anos depois, um outro rapaz. Eu passei boa parte da minha infância, socada entre as rodas de amigos do meu pai. Com o tempo, comecei a achar-lhes uma certa piada. Eram frágeis, e as suas fragilidades eram disfarçadas com trinta canecas de cerveja fresquinha e sete tijelas de queijo temperado com orégãos.
O homem é inseguro. Detrás da capa protectora e dos comportamentos tipicamente masculinos, existe alguém em constante busca pelo seu equilíbrio. As rodas de amigos e conversas de bar, nada mais são do que um meio de escape à solidão que os assola quando não têm ninguém por perto. O homem bebe tentando se esquecer. Cada gole não passa de uma tentativa inútil de anestesiar as dores do coração. O homem é inseguro, é o réu, o juíz e o juri de si mesmo. É alguém que, erroneamente, busca no sexo oposto a mesma liberdade que encontra dentro de uma garrafa de cerveja. Procura na mulher a absolvição dos seus pecados, e sacia na sua maciez a carência agravada pela solidão das mesas de bar.
A mulher é o sexo forte. É um porto seguro que requer do homem carinho e dedicação permanente. Quando isso não acontece, deteriora-se aos poucos, e desaparece. A mulher é a personificação de um diário cor-de-rosa que deseja ser lido pelos olhos do seu príncipe, e ser tocado pelas mãos que o desejem. Enquanto os homens constróem seus castelos, as mulheres sonham com os seus príncipes. Eles só se dão conta da falta que elas fazem, quando as luzes se apagam e não há ninguém debaixo das cobertas. Eles se esquecem que sem uma princesa, jamais se tornarão reis, e que sem o amor e dedicação de uma mulher, o coração adoece e se transforma numa lata velha, oca e preenchida de inutilidade.
Aqueles que se negam a aceitar a deterioração de uma fortaleza, são os mesmos que atiram pedras às janelas daqueles que vivem numa casa simples. São aqueles que constróem pontes com cacos de vidro; caminham descalços sobre eles, e não entendem a razão de amanhecerem com cortes nos dedos. São os primeiros a se esconderem por baixo dos rochedos, com medo das chuvas de granizo. Lá fora, o sol ilumina o corpo dos homens e das mulheres. Não tem preferência. Mas são eles que caminham de cabeça curvada. São eles que cruzam os braços e se dizem filósofos ao fitarem o nada enquanto as mulheres engolem o sol num só trago. Os seus olhos se transformam na curva de um ponto de interrogação e as reticências no pingar das suas lágrimas. Os homens são frágeis, e choram. As mulheres são fortes, e choram. Elas buscam no seu pranto, a força que não encontram no sorriso dos maridos.
O vento despenteia-me. As pálpebras pesam por causa do sono que não dormi. Caminho na relva, ignorando as placas que me proíbem. Escuto o comboio passar enquanto caminho na relva molhada. Não sei se regressa ou se está de partida, tal como desconheço o findar do meu dia. Sacio a minha fome com um pedaço de pão seco e mato a minha sede na torneira de um banheiro público. Ninguém pergunta por mim, ninguém me questiona. No céu, aglomeram-se nuvens, para depois desfazerem-se com o vento. Do meu queixo escorre água com calcário, e todos olham como se não tivessem visto nada. Procuro detrás das nuvens o avião espelhado nos meus olhos. Ouço o som mas não o vejo. Limpo o queixo na manga do casaco e me encolho. As horas não passam, o telefone não toca, ninguém quer saber por onde ando. Se passarem, se tocar e se perguntarem por mim, responderei que hoje não me encontro. Que tenho por hábito desaparecer e que não adianta saírem a minha procura. E se não me entenderem, escreverei num guardanapo amarrotado que os meus desaparecimentos são propositados e não têm data de regresso. 

Fazer o que quero

Um dia vou reservar

nesta vida

para fazer só o que quero

e prometo não ferir ninguém.

Só queria ser feliz, ainda que por poucos instantes.


 O sol que brilha lá fora é o mesmo que brilha aqui dentro. Aquele que reacende a chama apagada nos dias em que não abro as janelas. O sol que brilha lá fora é o mesmo, o que mudou foi o brilho. A minha alma é um girassol que se vira na direcção da estrela em busca de um feixe de luz. O que mudou foi o brilho, não foi a alma do sol. Foi o brilho, não a luz que trespassa as frestas das janelas para me pincelar o corpo de amarelo. O que mudou foram as cores das fotografias a branco e preto. Amarelaram-se: o preto acinzentou-se e o branco tornou-se negro.

terça-feira, 23 de março de 2010

O ridículo do sexo

Não fosse a emoção envolvida, o sexo seria apenas e nada mais que somente ridículo.
Começa pelas posições, todas absolutamente desconfortáveis: papai e mamãe, para quem fica por cima, é um exercício de tríceps incrível - e tome o de baixo as bagas de suor que escorrem do outro.
Carrinho de mão: coisa de atleta. Ficar segurando a dita cuja e ela com os braços no chão, segurando-se também, parece posição inventada em Spa, para os dois emagrecerem.
Frango assado: imagine a cena, imparcialmente. A infeliz fica parecendo o peru de natal, e ainda toma um peru no meio. Isso é canibalismo puro.
O Kama Sutra tem posições tão heterodoxas, que eu fico imaginando: não é possível, o tesão dos dois está em fazer força, e não em fazer sexo. Se é assim, vou erguer a traseira de um fusca para ver se atinjo o orgasmo.
Depois vêm as fricções intermináveis. Os dois vão para a frente e para trás, batem-se, chocam-se, suam, se esfolam e acham ótimo.
Os gemidos são dos mais ridículos. Vou montar um curso de Inglês só com as frases da hora agá: oh, yes, oh, yep, oh, ya, oh, oh, ooooh...
Aí vêm aquelas galinhas que gritam, ou melhor, cacarejam quando chegam lá: Cócócócóriiicóóóó!!!
Outras parecem cabras: bééééééééééééééé´!
O ridículo do 'não para, não para, não para, não para!'
A humilhação do 'você já acabou?'
A pergunta que jamais se deveria fazer, pois ça va sans dire: 'foi bom pra você também?'
Ah, vamerda, pô.
Aí vêm os sons guturais da fase oral: o sujeito está lá devorando a gruta do diabo e fica: slurp, aarrf, bluf, sniifff, e a doida esperneando, pra cá e pra lá, emitindo sons guturais animalescos.
E finalmente ela abocanha a linguiça do sujeito, joga para a garganta e, muitas vezes, sente engulhos: é o famoso sexo esofágico.
Ao fim daquilo tudo, ambos emitem um aaaaaaaaaaaaaaaaaaaahhhhhh, final, ele deita para o lado e dorme, ela fica imaginando como seria melhor se fosse o Gianechini ou o Lacerda, ou, pior, fica imaginando que aquele sapão é o príncipe de sua vida.
Faça a sua própria cena. Tire a alma, e terá sido uma espécie de octógono em que ambos saíram derrotados. Ou não?
Oh, ya, oh, yes, oh, yep, ug, ug, ug, uga-buga, uga-buga!
E tome tacape, pois este é um dos pontos em que, ao que tudo indica, não evoluímos desde o cenozóico da quaternária.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Estou pensando...

Estou pensando em plagiar um(a) plagiador(a). Vou criar um blog chamado "QUASE TUDO copiado, QUASE NADA criado" e vou lá no blog do genial Sr. ou Srta. Não Sei Quê furtar as postagens que não são dele(a). Com isso, devo ganhar 100 anos de perdão. Meu mérito seria dizer o seguinte: peguei estas postagens maravilhosas do blog QUASE TUDO QUASE NADA, que bem poderíamos chamar de P*rr* Nenhuma. Esta aqui ele(a) copiou da Lya Luft; esta outra, da Fernanda Young; esta, ainda, ele(a) subtraiu de X, essoutra de Y, aqueloutra de Z. Não digam que ele(a) não tem trabalho, pois tem. Precisa ir à luta todo santo dia e prostituir-se à cata de boas postagens para fingir que são dele(a).
Ô, irmã postiça da Cinderela, se o sapatinho de cristal fosse seu, o calcanhar e o dedão não ficariam de fora!
Xô, vade retro, Satana!

A vida me oferece tantos quadros, e eu lhes boto moldura...

Estúpido. Estúpido. Exponencialmente estúpido. Querer limitar a natureza, ilimitável, é burrice sobre burrice. Nem com Fórmula de Báscara se encontra meu "conjunto verdade" - plêiade de mentiras ignóbeis.

Um conselho, Cô!

Cô, por que eu caí na bobagem de elogiar a tal da vida que há por trás dos olhos lá da outra? Meu avô me dizia que há pessoas que são feito o prego: só têm cabeça para levar martelada. É o meu caso.
Agora ela está atrás de mim, a insinuar-se, e eu, no fundo, nada tenho para oferecer a ela. Pelo menos neste momento de minha vida, não.

Os freios do mundo

Não sei quem usou esta expressão, uma vez. Mas está muito bem usada. Olha, quem achar os freios do mundo, por favor, me diga. Diga-me, pois vou apertá-los. Quero descer um pouquinho. Quando der, eu volto.

Why?

Por que estudei a vida inteira, se sou um bagre, se nada assimilei, e se de vida, mesmo, nada entendo?
Trocaria todos esses anos de estudo por um poucochinho de sabedoria. Trocaria a quantidade pela qualidade.

A "nudez" de Noé, o patriarca.

Não consigo crer na versão singela da Bíblia para o episódio da nudez de Noé. Parece-me algo feito AD USUM DELPHINI. Não me apetece.
Em Gênesis, Cap. 9º, versículos 18 a 26, está o emblemático drama familiar. Noé, baixadas as águas do dilúvio, estava secão por um pouco de vinho. Pôs-se a lavrar a terra e a semear, e eis que plantou uma vinha. Quando vieram os capitosos frutos, ele mesmo fez o vinho e se inebriou. Inebriou-se? Vamos ser atuais: o cara tomou um porre do c*r*lho e aí vêm as conseqüências todas de tal ato.
Estava sozinho e, muito provavelmente, masturbou-se: casado com a mesma mulher havia décadas, diz a Bíblia que viveu 950 anos (ops!, a contagem era, provavelmente, outra), estava lá meio carente - ou completamente carente - e mandou ver. Já sob efeito da bebida, e muito possivelmente com a verga enristada, segurou a danada e começou a chacoalhá-la, para cá e para lá, pensando na Angelina Jolie da época (que devia ser um pouco menos bela, mas para quem está morto de fome pão com manteiga é ceia de Natal...).
Depois do êxtase etílico, passada a fase do bode, a do macaco, a do leão, veio a do porco: o cara dormiu e roncou. Estava nu. E muito quero crer que estava todo lambuzado.
Os três filhos dele eram Sem, Cão e Jafet. Em Inglês, Sem, Cham e Japheth. Na Vulgata, Sem, Ham e Iapheth. Eles são os responsáveis pelo repovoamento da Terra, segundo os textos sac(r)os.
Cão (coitado...) saiu à procura do pai e o achou numa tendinha (não aquela que fôra - eu não resisto a estes acentos, Cosette!! - armada e desarmada, mas a tenda em que Noé ficava, quiçá para descansar durante o trabalho, alimentar-se, masturbar-se, etc), desnudo... bom, isso já falei. Só que ele teve uma idéia do Cão (trocadalho fajuto): foi chamar os irmãos. Sem e Jafet, mais velhos e mais experientes, entraram com uma capa na mão, com o rosto virado, e não viram a 'nudez' do pai. Só que delataram Cão, o único que vira o bilau paterno e a lambuzeira que Noé armou na barraquinha. Como nos dez mandamentos Deus já havia dito ser vingativo, e que puniria a maldade dos pais nos filhos, até a terceira ou quarta geração, Noé amaldiçoou Cão e o filho dele, Canaã, que passou a ser escravo de Sem.
Mais trocadalhos: o filho do Cão tornou-se escravo de Sem. Ele era filho do coisa ruim e ficou escravo do coisa nenhuma. Péssima. Os irmãos que não viram (ou fizeram que não viram) a 'nudez' do pai foram abençoados. O pobre do Cão, que viu o cão chupando manga, ou melhor, a manga do cão, já chupada..., esse se pherrou bonito, de verde e amarelo.
A sociedade bíblica é falocrática. E isto não está só no Antigo Testamento, não. Mas nele a falocracia predomina: os homens juravam com a mão sobre o órgão genital; os soldados sodomitas conseguiam manter longas ereções, e "sodomizavam" os invasores daquela 'grande' cidade; Moisés e seu cajado fizeram história; David, coincidência ou não, pequenino, derrota um Filisteu grandão porque lhe joga uma bola de pedra de dentro de uma funda (um saco com uma bola - apenas - dentro); Sansão é o falo que murcha (quando Dalila lhe corta os cabelos) e depois se enrista novamente, e derruba o templo. Chega de exemplos. No Testamento Novo, o 'Varão' de Deus, Gabriel, fecunda Maria (historinha meio estranha também, mas vamos lá). E Jesus, que era, como se diz, o próprio Deus, a bem da verdade não tem falo! Olha, Cosette, nem lhe falo, viu? Ele provavelmente havia um falo, mas, segundo os relatos bíblicos, jamais o usou.
Ah, estou me alongando muito (e não sou falo), pelo que vou parar. Essa masturbação mental está me enchendo o sac(r)o. E olhe: que Noé bateu umazinha lá, ah, ele bateu. Azar do Cão, que viu o resultado, a meleca que o pai fez (mas a fez, propriamente dita, fica para outra postagem).
Saramago, conta o resto aí?
Putz, Cosette, só agora, relendo esta b* de texto, vi que você escreveu, abaixo, sobre uma noite do cão hahahahahahaha!

sábado, 20 de março de 2010

Noite de Cão.


Já te aconteceu teres tanta coisa para fazer ao mesmo tempo e, no final do dia, dares-te conta que não fizeste nada? E depois vais te deitar e não consegues desligar a cabeça, e começas a fazer uma lista mental, enumerando as tuas pendências, e depois levantas, olhas para o relógio, decides que é muito tarde e que não vale a pena começares a fazê-las agora, pois fora da cama tens sono. Mas depois, deitas-te e a lista volta e o sono perde-se entre as tuas preocupações. E quando te dás conta, já é de madrugada e, para além de não teres as tuas pendências resolvidas, não tens sono e os teus olhos doem como se tivesse areia dentro deles. E depois ficas com fome, mas não comes porque comer de madrugada faz mal. Mas o teu estômago ronrona falares que só tu entendes. Aí, levantas para beber um copo de leite frio e comer uma bolacha maria. Abres um pouco a persiana para ver o sossego lá de fora e sentes uma brisa fresquinha refrescar-te o nariz. Metes o copo dentro da pia, porque não queres molhar as mãos às cinco da matina. Deitas-te outra vez. Viras para um lado e para o outro e deduzes que não consegues dormir porque não escovaste os dentes. Então, levantas, agarras na colgate ou na aquafresh – se é que aí existe -, metes na escova e fazes o trabalho olhando para o espelho do armarinho. Secas a boca no pano de mão e retornas ao leito convencido de que desta vez cairás num sono profundo. Só que aí olhas para o relógio: são cinco e quarenta da manhã. Não dormes porque estás a contar quanto tempo te resta para o despertador tocar. Que merda, pensas. Viras para a esquerda e metes-te a olhar para a parede. O sol começa a apontar pelas frestas da janela e tu devias estar a dormir. É verdade, o sol não espera por ti. Na verdade, ele está se fudendo se dormiste ou não. Mas tu o admiras porque quando acordas ele está sempre lá. Pois bem, desta vez não adormeceste e agora sentes vontade de fazer xixi. Miras a tua uretra e dizes: Foda-se, puta que pariu, agora não! Mas não adianta, a bexiga está cheia daquilo que um dia foi leite Parmalat. Cambaleante e puto da vida, caminhas. Levantas a tampa do vaso, baixas cueca – não necessariamente por esta ordem – e nem sequer olhas para onde estás a urinar. Os olhos doem, o teu sono parece ter nascido com o sol. Sobes a cueca - ou não -, dás descarga, olhas para o relógio, mandas o sol para o inferno e deitas-te uma vez mais. Desligas o despertador. Chutas o lençol para o chão porque o calor fez o favor de começar a fritar as paredes do teu quarto. Fitas o tecto inconformado e ainda pensando nas coisas que devias ter feito no dia anterior. Lá fora já se ouve um certo movimento. As lojas começam a abrir suas portas e as buzinas dos carros já se fazem ouvir. Enquanto sentes as tuas olheiras te escorrerem pelo rosto, notas que estás a começar a adormecer. Adormeces, mas duas horas depois já estás de pé: cansado, fodido, morto. Dizendo a si mesmo que hoje não fará porra nenhuma. Mas é mentira, porque acabas sempre fazendo alguma coisa.

Pois é, passe este relato para o feminino e adicione a filha da p*ta da cólica de tpm que a tua sobrinha teve. Uma cólica que dá vontade de arrancar os ovários com os dentes. Uma dor incómoda que vai do ventre até as pernas, e uma raiva, mas uma raiva gigantesca por ser mulher. Pqp. Porque é que os homens não engravidam?

quarta-feira, 17 de março de 2010

Não interessa a ninguém, mas...


o meu irmão se aventurou no supermercado e resolveu – sozinho – escolher algumas frutas. Resultado: Trouxe três mangas podres, meia dúzia de bananas passadas e um saco de maçãs que só vão enxer o saco porque aqui em casa só a minha mãe gosta delas.
Por outro lado, ele também comprou um pacote de bolachas amanteigadas que, por sinal, estavam deliciosas. Ele detestou, e eu as devorei. S-u-m-i-r-a-m.

Mission Impossible - Sim, estou sem sono.



Todos os dias, depois do jornal da uma e após o jornal das oito, o meu pai esparrama-se no sofá, eu esparramo-me no outro, a minha mãe encolhe-se nas cobertas e juntos temos a certeza de que será impossível não adormecermos assistindo Missão Impossível.

Ah, Peter Graves....
Tio, vai dizer que ele não era bonitão?


Ah, as mulheres...

Cosette, eu lhe pergunto: por que é que, desde Adão e Eva (ou talvez bem antes disso), as mulheres não se cansam de ludibriar um bicho burro chamado homem? Esse imbecil é Pitecantropus quando erectus; entretanto, um dia deixa de ser erectus mas continua Pitecantropus. E Eva, e Salomé, e Dalila e... tantas, tantas outras, porque lhes haja mais bestunto da cerviz para cima, enganam o já des-enganado animal (ir)racional que se chama homem. Ou melhor: ómi. Ou ômi, como você preferir.
Se eu pudesse fazer cirurgia, não trocaria de genitália, não, mas de cérebro, ou de alma. Eu encerraria "As Academias de Sion" antes da "destroca".
Merda!

terça-feira, 16 de março de 2010

Cosette.




Há dias em que me vejo como um ser cretino. Ignorante de tudo e que o pouco que sabe, desconfia. Há dias em que me vejo como um ser cretino que insiste que acreditar em si mesmo é a melhor saída. Noutros, considero-me mais cretina ainda, por não inspirar confiança. Desconfio da minha própria sombra. Na rua, paro para que ela passe na minha frente. Quando me sento, sento-me nela para que não fuja de mim. Quando me levanto, ergo-me depois dela. E assim, vamos indo. Sempre num gerúndio mais longo do que qualquer universo ou oceano fundidos. 

Nicolau.... O (meu) Príncipe

“Não desconheço que muitos têm tido, e têm, a opinião de que as coisas do mundo são governadas pela fortuna e por Deus, de modo a que a prudência dos homens nãos as poderia corrigir nem lhes ofertaria algum remédio. Dessa maneira, poder-se-ia pensar que ninguém deve se importar muito com elas, deixando-se simplesmente reger pela fortuna. Essa opinião é muito aceite na nossa época, pela grande variação das coisas, o que se percebe diariamente, fora de toda a conjetura humana. Em algumas ocasiões, quando considero o assunto, tendo a aceitá-lo. Apesar disso, e uma vez que o nosso livre-arbítrio permanece, acredito poder ser verdadeiro o fato de que a fortuna arbitre metade das nossas ações, mas que, mesmo assim, ela nos permita governar a outra metade quase inteira. Comparo-a a um desses rios impestuosos que, quando se enfurecem, transbordam pelas planícies, acabam com as árvores, as construções, arrastam montes de terra de um ponto a outro; tudo foge diante dele, tudo se submete a seu ímpeto, sem conseguir detê-lo, e, embora as coisas aconteçam assim, não é menos verdade que os homens, quando a calmaria retorna, são capazes de fazer consertos e barragens, de sorte que, em outra cheia, aqueles rios estarão correndo por um canal, e seu ímpeto não será nem tão leve nem tão nocivo. Assim também se passa com a fortuna; seu poder se manifesta onde não há resistência organizada, voltando ela a sua violência apenas para onde não se construíram diques nem se fizeram reparos para contê-la.
(…)
No entanto, limitando-me aos casos particulares, digo que hoje se virifica o êxito de um príncipe, e amanhã a sua derrota, sem que se verifique mudança em sua natureza, nem em algumas de suas qualidades. O motivo, acredito, como disse antes, é que, quando o príncipe se apoia apenas na fortuna, arruína-se de acordo com as variações daquela. Julgo feliz, também, o que harmoniza sua maneira de agir com as características de cada época, e infeliz aquele cujo modo de proceder discorda dos tempos. Quanto aos caminhos que os conduzem aos objectivos buscados, ou seja, glória e riquezas, procedem os homens, habitualmente, de formas diversas: um com prudência, outro com impetuosidade, um pela violência, outro pela astúcia, um com paciência, outro com a qualidade contrária, e cada um, por esses modos diferentes, pode chegar àqueles objetivos.
(…)
o homem prudente, quando chega o momento de agir com impetuosidade, não sabe o que fazer, e por isso vai à ruína, pois, se alterasse sua natureza, de acordo com a época e as coisas, não mudaria de sorte. “



Os Pensadores, Maquiavel, Cap XXV “ De Quanto Pode a Fortuna nas Coisas Humanas e de que Maneira se deve Resistir-lhe” - pags: 143-145

segunda-feira, 15 de março de 2010

Assim, sem tir-te nem guar-te

Ela me chamou para almoçar e eu disse:
- Não, eu não almoço - apenas trago frutas e sanduíches naturais.
- Ah, Jean, vamos! Preciso conversar com você, você me põe para cima.
- Ok, eu vou; entretanto, vou apenas para ver a vida que há por trás de seus olhos.
...
Não era minha intenção cortejá-la, mas ela adorou! E então vi vívida vida em seus olhos.
Quem sou eu?

domingo, 14 de março de 2010

Obrigado!

Sobrinha, minha tia-avó era uma senhora muito sábia e também muito rígida. Ela foi educada em colégio de freiras, tocava piano, pintava em tela, a óleo, falava árabe, inglês, francês e português fluentemente. Conhecia etiqueta como ninguém e entendia tudo de vida - esta era a parte que mais me chamava a atenção.
Nasceu hemiplégica, lá pelos idos de 1928, e faleceu, depois de uma vida muito sofrida, e de um coma bastante prolongado, em 1998.
Com ela aprendi várias coisas, entre as quais recusar uma oferta. Quando íamos jantar em casa de amigos, no interior, ela nos fazia jantar antes: era feio chegar esfaimado à casa dos outros e comer feito o lobo-guará que não vê caça há um duodecêndio. Ao contrário, se alguém ia à nossa casa, verdadeiros banquetes eram preparados (e devorados). Ela ficava muito feliz ao ver que aos outros prazia comer o que fizera.
Há muitas histórias dessa mulher forte, que guiava um Malibu adaptado (que meu avô, à época, importou do Canadá), fez história em sua cidadezinha e deixou um rastro muito interessante de suas "pegadas" mentais. Foi uma das pessoas que me iniciaram em Religião - muito mais pela conduta do que pelas palavras, e acreditava firmemente em Deus. Era perfeita? Naturalmente, não; era, todavia, um exemplo.
E por que mandei ver neste trololó todo, aqui? Hm...
É que você preparou um banquete para mim: deu-me poderes de administração. E eu, munido de tais poderes, recusei-os. Fi-lo, entretanto, por bem. Recusei-os porque uma determinada pessoa, cujo nome não merece menção, poderia abusar de tais poderes - embora eu não creia que vá fazê-lo, depois da carraspana que lhe passei, na última ousadia.
Lembra daqueles versinhos lá embaixo? Os que intitulei "amizade e confiança"? Pois é... você me ofereceu, mostrou amizade e confiança, e eu neguei, por um bom motivo.
C'est ça, já falei demais.
Obrigado, e abreijos!

Derrotado.


Eu vejo o verde detrás do verde
E o lado cinzento do azul.
Vejo o avesso do amarelo tornar-se roxo
E o vermelho enegrecer-se
Nos bordados do lençol.

Vejo asas nascerem nos peixes
E larvas voarem feito borboletas.
As crianças saltam a corda,
Tocam flautas e trombetas
Enquanto eu fito a minha sombra
Afundar-se no leito do rio.

Sentada na margem, congelo,
Enquanto, lá dentro, sinto frio.
Olho para cima, o sol brilha.
Olho para baixo, sorrio.

Judas, aleivoso, estende-me os braços
Enquanto afundo.
Estico os meus, tento abraçá-lo,
E quando acordo, sinto-me descer
Lá mais pro fundo.

Sentado, ele fita-me
Austero e soberano.
Pergunta-me o que eu quero:
“O mundo ou o submundo”.

Miro-o de volta,
 Digo-lhe: “ Quero tudo!”
Ele sorri, bate palmas.
Levanta-se da cadeira,
Sempre mudo.

Sozinho, abre a porta,
Despe o traje,
Olha-me mais uma vez.
Eu, decidida, não digo nada.
Ele, desiludido, parte
Inconformado com a sua pequenez.

20:00 - Na sala:

- Tou com fome.
- O que você quer?
- Não sei….O que é que tem?
- Tem a sopa que a mãe fez ontem. Deliciosa! Com espinafre, batata, cenoura, alho poró…etc…etc..
- Não, não quero.
- Tem o escondidinho também, aquela batata feita no forno com carne moída e queijo.
- Não…
- Tem o escondidinho que eu fiz para o teu irmão, de batata com alho poró…
- Nhé….
- Se quiser a mãe faz um sandwich prá você. Aquele que fica com uma casca crocante, por causa do queijo..
- Não… Não tem arroz?
- Tem. Quer arroz com legume e escondidinho?
- Não mãe, não quero escondidinho.
- Então o que você quer?
- Sei lá, quero arroz com alguma coisa. Não tem nada cremoso?
- Cremoso como?
- Sei lá, um creme de espinafre, por exemplo.
- Tem! Quer que a mãe faz? É rapidinho!
- Sim, e batata para fritar, tem?
- Tem.
- Óptimo, é isso que eu quero.
- Ok, a mãe faz e trás aqui prá você.
- Uhum...

Ah, como eu sou mal acostumada...!

sexta-feira, 12 de março de 2010

Witt... eu amo esse homem

Wittgenstein tem o dom de me surpreender. Se ele pudesse aparecer, mortão da silva, à minha frente, eu me prosternaria, genuflexo, a seus pés, osculando-os respeitosamente.
Veja-se o que diz o Mestre (ele, meu ídolo atual), no capítulo X das "Investigações Filosóficas":
"1. Como é que chegamos a usar uma expressão como 'eu creio'? (...)
"2. A asserção 'creio que as coisas se passam assim' é usada como a afirmação 'as coisas passam-se assim'; e, no entanto a suposição de que eu creio que as coisas se passam assim não é como a suposição de que as coisas se passam assim.
"3. Assim, parece que a afirmação 'eu creio' não é a afirmação daquilo que a suposição 'eu creio' supõe!
"4. Do mesmo modo a frase declarativa 'eu creio que vai chover' tem um sentido semelhante, isto é, uma aplicação semelhante a 'vai chover', mas eu cri, então, que 'ia chover' não tem um sentido semelhante a 'então choveu'.
(...)
"10. 'Eu creio...' esclarece o meu estado de consciência. Desta afirmação é possível tirar conclusões acerca de meu comportamento. Há aqui também uma semelhança com as expressões de emoção, disposição, etc."
Temo – e acho que o Mestre também temia – pelos ditos filósofos e religiosos que fazem da expressão 'eu creio' outra, completamente diferente: 'é assim'; todavia, o Tratado Lógico-Filosófico de Wittgenstein, sétima (e última) sura, resolve a questão de maneira cabal: "acerca daquilo de que não se pode falar, tem que se ficar em silêncio'.

Alguma coisa acontece...?

Com o colesterol nas alturas, triglicérides também crescendo em progressão geométrica, glicose no limite do aceitável, acenando e sorrindo para o inaceitável, eu diria que "alguma coisa acontece com meu coração", mas não apenas "quando cruza a Ipiranga e a Avenida São João".

Guimarães na vida

Com 44 anos de existência, eu diria, usando a linguagem de Guimarães Rosa, que me sinto assim:

"No caminho com brocotós de todos os lados, chuto os calhaus para desonçar as trevas e chegar a alguma garridice. Sem moucar-me para as lamúrias do mundo, mas sem deixar de gazear, enfrento o embondo da vida sem muita gastura, tentando lanhar os passopretos que ousam ficar na minha cabeça, buscando sempre o tão sonhado remimento dos pecados e escote das más recordações para continuar na andança."

Em ano de eleição...

Um brinde aos usurpadores,
Aos fabulistas falazes,
Que em seus discursos loquazes
Dizem não ser malfeitores!
Vivam!

Inda um brinde aos usurários,
Matemáticos do diabo,
Que, se exercitam desgabo,
Dizem não ser mercenários!
Vivam!

Uma taça de champanha
No País desses calheiros,
Bandidos, vermes, rafeiros,
Que fazem tanta artimanha!
Vivam!

Vivam as nossas raízes,
Os bandalhos do Congresso,
O histrião que é réu-confesso,
Os truões e as meretrizes!
Cheers!

Viva, ora!, a lei do chanfalho,
Viva o Marcola erudito,
Viva o sátrapa maldito
E o alho feito bugalho.
Salve!

Salve a justiça mal feita
Pelas mãos de irmãos metralha,
Pelo ardil do que atrapalha,
E que faz supor suspeita!
Salve!

Uma taça de conhaque
Pelos ladrões de galinhas
Que enganam donas velhinhas
Vestindo cartola e fraque!
A eles!

Vivam aqueles canalhas
Que usam roupas vistosas,
Ostentam casas luxuosas,
Mas são nada mais que tralhas!
Vivam!

Uma taça de Brunello
Pelos vesgos, pelos blufos,
Pelos sórdidos tartufos
E os de coração banguelo!
Vivam!

Os seres humanos somos tão frágeis!

Sob a armadura do corpo, o elmo do rosto sorridente – embora mal acobertando os olhos baços e talvez úmidos –, os guantes das mãos bem ajustados, a proteção do corpo intocável, sob todo esse aparato de defesa, somos débil chama de uma vela tangida pelo vento: se este é mais brando oscilamos, mas nos mantemos acesos; se mais forte...
Pessoas tão bonitas, corpos tão bem talhados, roupas tão novas e caras e, por baixo disso tudo, somos delicados como as asas da libélula.
Vede quantos sofrem de solidão, embora em meio à mole ridente! E quantos sorriem para disfarçar o pranto copioso? Quantos se ufanam das relações multitudinárias, mas dariam fração considerável da vida para achar quem os amasse?
E assim caminha o ser humano, protegido pela grossa epiderme, empunhando a lança da ousadia, o gládio da agressividade e o escudo da ufania, só para lutar contra o medo que o reles vislumbre de sua condição humana lhe causa.
Sou capaz de imaginar muitas pessoas vendendo a alma para o diabo, a fim de se haverem só um pouquinho com Deus. Ou é loucura da minha cabeça?

A bandeira brasileira

Acho que é meio superficial dizer que as cores da bandeira brasileira representam as matas, o ouro, o céu (ou as águas) e não sei mais quê (o que usam para justificar o branco, mesmo?).
Um pouco de história faz-nos bem:
Quando as primeiras naus portuguesas aportaram neste Brasilzão de Deus, elas vinham com a bandeira da Ordem de Cristo, em cujo seio podia-se ver insculpida a sagrada Cruz da Ordem, rubra como só ela, sobre o branco da neve.

Dom João III (que as de Cabral eram do período de D. João I) autorizou uma bandeira parecida com a primeira, mas subtraiu da dita cuja a cruz da Ordem de Cristo. Havia nela um escudo com a cruz acrescentada de cinco escudetes azuis e, acima de tudo, a coroa real.

Em nosso período Holandês, as capitanias todas ostentaram, por mais de duas décadas, a bandeira das Províncias Unidas da Holanda, que tinham três faixas: vermelha, branca e azul. Ao centro, um monograma dourado da Companhia das Índias Ocidentais.

Quando voltou a monarquia portuguesa, sob império de D. João IV, naturalmente deu-se vez à coroa lusitana. O escudo estava lá, ao centro, mas os ramos de D. João III foram subtraídos, passando aquele campo a ser azul, o que simbolizava o culto do Imperador a Nossa Senhora da Conceição, padroeira de Portugal desde 1646.

Proclamada a independência, as cores da pátria, dominantes, passaram a ser o verde e o amarelo. Quero crer que o verde se deve à casa de Bragança, dinastia portuguesa da qual descendia Dom Pedro. E o amarelo ligar-se-ia à casa de Habsburgo-Lorena, a nobre família austríaca de Dna. Maria Leopoldina, primeira esposa de Dom Pedro I.

Não é mais coetâneo com a política nacional este colorido?

No cume da minha casa... (lembra desta, sobrinha?)

No cume da minha casa
Eu plantei uma roseira.
As rosas no cume ornam!
Perfumam a casa inteira!

As rosas no cume nascem,
As rosas do cume caem,
As rosas no cume brotam,
Rosas no cume florescem
E os vizinhos agradecem,
E rosas no cume botam!


Elas o cume perfumam,
Bem como o cume adornam.
Espinhos no cume existem,
Mas também o cume exornam!

Uns passarinhos, danados,
As rosas no cume viram!
No cume bicaram tanto,
Que elas do cume caíram...

Moleques da vizinhança
Também no cume subiram.
Treparam no cume, tendo
Nas mãos um pau que brandiram.

Com o pau, ao cume treparam;
As rosas no cume mexendo,
O pau no cume batendo,
Eles o cume estragaram...

Mas os vizinhos, bondosos,
Vieram me socorrer!
Todos muito prestimosos,
Queriam no cume ter
As rosas que o cume tinha,
Que eles no cume puseram,
Porque no cume convinha!
E um novo cume fizeram!

Mas eu, honesto que sou,
Já que eles ao cume foram,
E porque no cume entraram,
Todo o cume reformaram,
E rosas no cume puseram,
Decidi fazer assim:
O cume tido por mim
É o cume tido por todos.

Desde então, a vizinhança
No cume deixo subir.
Lá vai o velho, a criança
E quem ao cume quer ir.

Porque no cume plantaram
A perfumada roseira;
Porque o cume adornaram,
E a planta no cume cheira;
Porque se um no cume mexe,
Sabe a vizinhança inteira!

Como deparei com um incidente de plágio há pouco tempo, melhor eu esclarecer - o que já está nos comentários, mas ainda não aqui. Estas trovas não são de minha invenção: elas são muito conhecidas no interior de Minas e de São Paulo, e cada trovador faz a sua versão. O início é sempre o mesmo: 'no cume da minha casa...' e o restante fica para a criatividade de cada versejador. Esta é a minha versão: não tive a idéia de criar, mas a de desenvolver novas trovas, ou seja, a de dar cores ao cume de outro alguém.

SER FELIZ...

Li em manchete da Folha de São Paulo (se não me engano, do ano passado... ou teria sido retrasado? - bom, o que importa é que o tema volta à tona) que não sei quantos por cento dos brasileiros se dizem felizes. O percentil é assustadoramente grande: perto de 70% (!?)
Ora, ora... será que estão falando d'essa felicidade que supomos, árvore milagrosa que sonhamos toda arreada de dourados pomos?
Não posso crer. A pesquisa é tendenciosa, ou superficial, ou... hm... bem, já estamos de novo às vésperas das eleições. Faz parecer que o Brasil é um mundo... hm...
Desculpem-me, continuo com a teoria da Geni (que descrevi detalhadamente em minha encarnação passada e pincelei abaixo), e vou me apoiar em Voltaire.
Como já recebi, um dia, reclamações de pessoas preguiçosas que não querem ler um livro inteiro, dizendo que eu deveria mencionar página e edição da obra consultada, vou fazê-lo:
Tenho em mãos "O Filósofo Ignorante", de Voltaire, tradução de Antonio de Pádua Danesi, revisão de Claudia Berliner, Editora Martins Fontes, ano 2001, e estou com a obra aberta nas páginas 73 e 74.
Diz o autor:
"
Quase sempre os homens se limitam a entrever o que examinam (...). O homem certamente só pode querer as coisas cuja idéia lhe está presente. Ele não poderia ter vontade de ir à Ópera se não tivesse a idéia de Ópera; e não desejaria de modo algum ir lá, e não se determinaria de modo algum a ir lá, se o seu entendimento não lhe representasse esse espetáculo como uma coisa agradável. Ora, é nisso mesmo que consiste a sua liberdade; é no poder de se determinar a si mesmo a fazer o que lhe parece bom (...)."
Num país de famintos, um auxílio do tipo "bolsa família" faz dum presidente de república um emissário divino. O problema é manter o povo com fome justamente para dar-lhe um auxílio econômico precário e fazer-se passar por emissário divino.
Há mais: Sérgio Buarque de Holanda explica profunda e detalhadamente o homem cordial. Um idoso cuja saúde ande bem, e que possa fazer exercícios regularmente, e que tenha seu dinheiro para sobreviver, há-de, comumente, considerar-se feliz; duas pessoas em idade adulta que vão à academia, tenham um carro bonito, morem num bairro nobre e freqüentem os melhores restaurantes tendem a sentir-se felizes.
É novamente o antropocentrismo à Tycho Brahe: tudo roda ao redor do sol, desde que este orbite ao meu redor.
Não vai aqui nenhuma crítica destrutiva aos entrevistados, mas aos critérios de pesquisa. Quantas pessoas são capazes de pensar, senão em sua ascensão própria, na ascensão social integral?
Ser feliz dentro da concha do individualismo é sê-lo dentro de uma casa com cercas elétricas, dentro de um carro blindado, dentro, sempre dentro.
Andar pelas ruas de São Paulo (cujas esquinas estão abarrotadas de miseráveis pedindo esmola, flanelinhas limpando retrovisores, lava-vidros jogando água melosa em nossos pára-brisas, estropiados com sondas intra-nasais implorando alguns centavos e outras demonstrações de horrores) com um carro de luxo é o reflexo de que a felicidade, como se a supõe freqüentemente, é uma ilha paradisíaca em cuja orla há tubarões ameaçadores.
O crime organizado governa o Rio de Janeiro e São Paulo; parece-me que governa Brasília – ou melhor, o Brasil, também, mas a sigla não é PCC ou CV.
Aí eu ligo a televisão e vejo o Lula com cara de anjo (o Lula e o Netinho... um faz cara de anjo para cantar, outro para discursar, e cada um espanca sua Geni a seu modo), dizendo que o Brasil cresceu, que os outros só falam, e o povo exige de mim que mantenha o bom-humor.
À merda!

quinta-feira, 11 de março de 2010

Maldade.



Há dias em que eu sinto prazer em erguer as mãos para o céu e dizer:
- Olha, olha! Olha ali um pássaro morto!
Só para ver as senhoras levantarem suas cabeças e perguntarem:
- Onde, filha, onde?!

quarta-feira, 10 de março de 2010

A "Igreja"

O divórcio era proibido, pelo que o casal religioso não se divorciava.
"Até que a morte os separe", dizia o prelado.
Aí a mulé matava o marido, ou vice-versa, e isso podia. Aí casava de novo, "de consciência tranquila" - ou de indulgência paga?
Hoje em dia é a camisinha que pega: não pode usar camisinha. Aí o casal vai, trepa sem camisinha e rola uma doença letal básica. Melhor assim? P*rra, ainda que fosse para manter o número de católicos (já que os protestantes andam crescendo em vulto), era melhor sustentar o uso da camisinha, não era não?

Vidamorte - Jean Valjean

E tu, que andas correndo pela vida,
e te achas imortal, igual a um deus?
Pensaste que haverá, sim, teu adeus,
e o mundo há-de seguir, à tua partida?

A ti, amigo, herdeiro dos sandeus,
a refletir o tempo te convida.
Cada chegada é nova despedida,
cada partida é dor pros sonhos teus.

Pensa que o tempo é a água nas tuas mãos,
que escorre pelos dedos, ora inermes
enquanto buscas estreitar seus vãos.

A água é águia; os dedos, paquidermes.
Pensas que vives? Teus ideais malsãos
estão virando janta para os vermes.

Vomitando letras em vão.

terça-feira, 9 de março de 2010

Resposta ao: "É aqui que me escondo"


Que raio. Insónia que não passa. Antes de tomá-los, pensava que os calmantes ajudassem a dormir. Eu me enganei, mas quem se importa? Eu vivo me enganando em tanta coisa.
Agora são quase 4 da manhã. Eis que salto da cama, alimento os meus cãezinhos virtuais - que arrumei num site qualquer e que, se bem me conheço, logo serão deletados – e me deparo com este texto. Que susto. Não sei bem a razão – ou talvez até saiba e queira me convencer que não sei – mas senti como se tivesse acabado de ler uma carta de um suicida. Li uma segunda vez, para provar a mim mesma que suicida era o estado da minha mente, e não quem escreveu. E foi como se uma onda me tivesse atingido a nuca, fazendo com que eu mergulhasse na escuridão do mar profundo e ficasse presa pelo dedo mindinho no dedo mindinho de alguém.
Ainda com a mesma sensação, pensei: Pronto, ele não volta mais. Depois pensei: Volta, afinal aqui é o seu tugúrio. Depois, afastei as minhas cogitações e tornei a ler. Desta vez e a partir daí, deixei-me ser invadida pelo meu tão famoso, adorado e, por vezes, discutível instinto protector. Sim, eu tenho por hábito abrir as asas e esticá-las o máximo possível para meter debaixo delas quem eu quero bem. Por isso, se queres andar nas sombras, protegido, sem ser importunado ou agredido, permita-me colocá-lo, então, debaixo delas. Que eu prometo, mas prometo mesmo, com todas aquelas tretas que envolvem as promessas, que jamais alguém tornará a importuná-lo.
Oh tio, a tua cabeça de nada me serve se não estiveres dentro dela. É exactamente o facto de tu seres esta imensidão que desconheces, que faz com que eu deite a minha cabeça no teu colo e disseque o meu cérebro com a merda que tenho impregnada nas minhas mãos. Ainda assim, permito que a deixes comigo, refugiada no meu colo, enquanto tentas deixar de ser aquilo que só eu sei que tu és. Inútil, porque para isso acontecer eu teria que deixar tudo o que sou. E para isso acontecer, eu teria que saber o que sou, e não sei. Se eu não sei, tu também não sabes, porque somos iguais. Por isso, vamos tentando até conseguirmos um dia, não ser.
Até lá, chega de epitáfios. Primeiro, porque te iria desiludir. Eu seria incapaz de te diminuir de forma a caberes em tão poucas linhas. Segundo, porque eu vejo claramente em ti – e tu sabes tão bem- a luz, a vida e a jovialidade que não encontro em mim – e olha que eu já me virei do avesso e me desvirei tantas e tantas vezes. Finalmente, em terceiro e último lugar, chega de epitáfios porque senão eu terei que ir até aí te matar pessoalmente pra ver se acordas pra vida. E isso é um bocado chato porque, afinal, são nove horas de viagem e ninguém merece. És o meu tio, não me fales em epitáfios, que até me dói.
Ah, a música do Thi. Lembro-me dela, parece que foi ontem que a ouvi pela primeira vez. Parece que foi ontem muita coisa e continuará parecendo que foi ontem enquanto o tempo existir dentro de mim.
São 4.35 da manhã, acho que agora sim, consigo dormir para me erguer às 9. Tu já dormes, certamente, espero eu que sim. Dorme bem, tio. Acorda bem. Levanta-te. Abre a janela e manda todo o mundo prá puta que os pariu. Sorria, recupere as energias.


Só não te esqueças que o meu dedo mindinho está preso junto ao teu.


Só uma vez, na vida,

espanquei um sujeito: eu bati tanto (mas tanto) com a cara na mão dele, que ... pobrezinho, não sei se voltou a escrever!

Tentei

me matar crucificado, mas só depois que preguei a primeira mão foi que descobri: não conseguiria pregar a segunda.
Incompetente...

É aqui que me escondo

Cosette, é aqui que me escondo: entre as quatro paredes desta sala virtual. Descobriram-me, apagaram meus textos (deliram textos que às vezes deliram), mas agora estão proibidos de voltar a fazê-lo. E aqui voltou a ser meu tugúrio.
Quero paz. Quero andar pela sombra. Sem agredir ou ser agredido. Sem conhecer ou ser conhecido. Sem... sem ter de explicar nada a ninguém.
Você tranca a porta, por favor?
Só não apague as luzes, que hoje não quero escuridão. A sombra deve ser parcial, distante do breu.
Vou deixar meu cérebro de molho num copo com formol, para evitar a rápida decomposição que assoma. Vou botar os olhos na geladeira, pois o fogo os consome. Minha boca, esta ficará apoiada, pelo queixo, na amurada dum navio. Vou espalhar meu corpo pelo mundo e ficar aqui, espírito, espiando.
Queria a graça de não-ser, por alguns instantes. Queria o silêncio anterior ao big-bang. Queria não ter sido criado e, incriado, permanecer para sempre inconsciente. Onde coloco meu tronco? Acho que ao lado de alguma árvore. A cabeça, já sem o cérebro (de molho), posso deitar no seu colo? Só quero dormir um pouco, não vou incomodar. Se uma lágrima escorrer, nem se abale: é o resíduo dum pensamento triste, que ficou por dentro da ossada da face, nada mais.
O que me faz querer a paz dum jazigo? Por falar em epitáfios, fiquei pensando em mais um: "agora está deitado o morto que até ontem estivera em pé: só mudou de posição, mantendo a condição."
Baixinha, a música, ao fundo, é a preferida do Thi (que, desgraçado, quase me mata de saudades): L'Ultima Neve...
Vou para outra dimensão, com os personagens de C.S. Lewis. Se der, eu volto. Aqui, entretanto, eu fico. No catre 'dentro do ângulo diedro da parede' imaginária. Perfeição é relativa. Deixo-me aqui e vou embora, pensar numa outra fuga.
Abreijos!

segunda-feira, 8 de março de 2010

Mundo Cruel

 O sol queima a terra.
Que queima o sol.
Que queima o solo,
As plantações
E a palma das tuas mãos.
A chuva inunda os olhos
Que caem na roupa
E vão ao chão
Como se fossem sementes de girassol.
A chuva inunda os olhos
Daqueles que olham para o céu.
O sol queima o pescoço
Dos cansados.
Dos que lavam a alma
Com a água que transpiras dos teus pés.
A lua ilumina a noite dos falhados.
Dos que caminham lado a lado
Com a solidão.
E as ventanias te sujam a cara
Com a mesma lama dos sapatos
Que te destruíram coração.

(There is no heaven above the clouds)

Lápide.

O sol queima a terra
Que ela pisa quando procura, incessantemente,
Não sabe o quê.
Seus olhos desfazem-se em lágrimas
Diante do túmulo de quem hoje é apenas cinzas,
E eu encaro a campa, e depois a cara da viúva
Que chora há mais de trinta anos por um corpo
Que não sabe de quem é.
Analfabeta, jura que ele está ali
Pelas redondezas.
Por isso,
Todos os dias se debruça sobre 
A lápide de um zé-ninguém.

Eu escuto e sacudo a cabeça
Tentando secar o suor que me escorre pela testa.
E juntas ajoelhamo-nos sobre a campa
Sem sabermos se está ali alguém.

domingo, 7 de março de 2010

Amizade e Confiança - Jean Valjean

Se tiveres um amigo,
dá pra ele confiança;
dá-lhe generosamente,
como se fosses criança.

Se houver amigo teu
que confiança te dê,
não pegues o que se deu:
dez por cento do ofertado
já será demasiado,
garanto-o a quem me lê.

Confiança é bem sagrado,
que só por ser ofertado
já mostra amizade intensa;
bem suave como a rosa,
que, se a tiro do canteiro,
deixa de ser formosa
pra morrer sem cor, sem cheiro...

Confiança é, pois, intangível:
deve ser, sim, ofertada,
mas é para ser negada,
pois deveras perecível.
Deve ficar na vitrine,
ou ser raio que ilumine
a água, a alfombra, o prado,
mas sem poder ser tocado.

Demonstração de amizade
de duas partes sinceras
é oferecer confiança,
(aquele que a oferta)
e recusá-la, deveras
(aquele que a desperta),
demonstrando sobriedade.

Confiança é bem etéreo:
lisonjeia a intenção
de se a oferecer
e o bom-senso (que mistério)
de nunca se a exercer.

É que quem dá confiança
confia em quem a receba:
guarda sempre a esperança
de que este logo conceba
que é apenas depositário,
e jamais o donatário
de um bem que, se for tocado,
perde o que tem de sagrado...
e um toque que a desagrade
despertará inimizade...

A revolta

Não sei por que isso se dá comigo, mas é assim desde os 11 ou 12 anos: às vezes acordo pela manhã e tenho NOJO do ser-humano. Nojo desse animal cretino, que evacua, urina, escarra, sua e secreta pensamentos que julga serem a apoteose da evolução.
Já em outros dias vejo a humanidade como seres pensantes (não deveria, mas vejo), buscando, lentamente, no pântano da vida, a orla do progresso em terra firme. Difícil, mas eles chegam lá.
E eu?
Eu nada... sou só uma coruja olhando. Olhões bem abertos.

Por falar em religiões,

a franca impressão que tenho quando vejo pastores (lato sensu: quaisquer pastores, para as suas ovelhas) pregando,
(nesta hora sou interrompido por uma voz interior que me diz:)
- Valjean, tanto os pastores quanto as ovelhas são lobos! Lembra o homo homini lupus?
Ouço a voz e volto a argumentar:
a franca impressão que tenho quando vejo pastores pregando...
(a voz, novamente, para me encher o sapiquá:)
- Jean, você os vê ou os ouve?
Ouço-a, não respondo e prossigo, depois de pigarrear levemente:
- a franca impressão que tenho, quando vejo, digo, quando OOOUÇOOO pastores pregando, é de que deus é uma m*rda e os pastores são bandidos desavergonhados, razão pela qual nos compelem, O MANDANTE de m*rda e OS MANDATÁRIOS do c*r*lho, que nós sejamos.
Moral da história: ninguém é perfeito p*rra nenhuma, e a vida continua, com o vento da hipocrisia a tanger as velas da incompreensão. Vamos, assim, pelo mare magnum da ignorância.

Pedir perdão e ser perdoado

Há pessoas que peçam perdão por crimes imperdoáveis; e há os que digam "eu perdoo", só para cumprir alguma praxe. Dois tipos de encenação bestas, um pelo verso, outro pelo anverso. Ah, o DNA das religiões, que mal nos faz.

Será?

O tal Dia Internacional da Mulher não será mais uma hipocrisia dos hipócritas de plantão? Não era melhor agirem que agitarem bandeirinhas coloridas e esboçarem sorrisos cínicos? Ou a data é para lembrar que só em 8/3, e nunca mais, é dia da mulher?
Há coisas que me incomodam mais que outras. Essas cortinas de fumaça, por exemplo.

quinta-feira, 4 de março de 2010

IMPAGÁVEL !!!

 No carro:

- Mãe, o Jean conhece as tuas sopas.
- Ah é, filha? Como?
- Eu disse-lhe.
- Ele também gosta, é?
- Ao que tudo indica, sim. Mãe, porque razão você estava dando uma receita de macarrão em pleno centro de saúde?
-Porque a assistente me perguntou se no molho de tomate ia farinha.
- Ah…
(silêncio)
- A Cosette vai casar com o Jean.
- Hã?!
- Qual é o espanto? Há tantas pessoas que se encontram e…
- Mãe…
- …e atravessam o mundo para estarem juntas…e….
- Mããããe!
- Que foi?
- Acorda! O Jean é 23 anos mais velho que eu!
- …. e existem casos em que tudo dá tão certo!
- Mãããããeee!

….


 Durante cinco anos, eu tive um vizinho cego que dizia enxergar somente aquilo que queria ver. Durante cinco anos, o invejei, não porque era cego, mas porque enxergava melhor do que eu. Um dia, ele perguntou-me o que eu trazia vestido, e eu respondi: uma calça preta e um casaco azul. Inocentemente, tentei explicar-lhe de que cor era o azul. Que o azul era a cor do céu, do mar e da bermuda que ele trazia vestida, mas que o azul do céu era mais claro do que o azul do meu casaco, e que o tom do mar tinha um bocado de verde. Lembrei-me em seguida que ele não sabia o que era o claro, porque desde que nascera vivia em total escuridão. Os meus olhos dilataram e ele sorriu. Comentou que o dia estava nublado e que sentia um cheiro azul-escuro no ar. Eu olhei para cima e concordei. Naquela tarde, não havia pássaros no céu.