quinta-feira, 25 de março de 2010

Evasão

Sabe quando está chovendo lá fora, e tu estás lá dentro, dentro de casa, no seco, no áspero e abafado, olhando para a janela, ouvindo a chuva esborrachar-se no vidro? E estás sentado ou deitado, ou inclinado na cadeira, olhando sempre para a janela, ouvindo a chuva cair. Nada é mais excitante do que o som do aguaceiro enxarcando as gabardinas negras dos infelizes que caminham lá fora. Não há solidez maior do que as pedras de granizo.
Sabes?

Vários minutos se passam, e aí, de repente, ainda com os olhos fixos na janela, te apercebes de que ela está aberta e de que o tapete encontra-se absolutamente enxarcado. Saltas da cadeira, em total desespero, enquanto te indagas a razão de não teres reparado que a maldita não estava fechada. Descalço, pisas no tapete para fechá-la. Tentas secar o peito do pé, os dedos e o calcanhar no tapete molhado. Voltas para a cadeira e agora olhas para a irregularidade das tuas pegadas. Fixas os olhos no chão enquanto a chuva, lá fora, continua sovando os desabrigados. Segundos depois, despertas para a realidade com a sensação de te terem sussurrado ao ouvido que as pegadas já haviam secado.
Sonolência? Distracção? Evasão do espírito?
Lá fora, continua chovendo pedras de granizo. Aqui dentro, a minha mãe me matará quando souber do tapete molhado.

4 comentários:

Jean Valjean disse...

Ou dará um abraço forte, se ler esta postagem - obra de arte.
Sua mãe conhece seus textos? Ela tem a mesma sorte que eu tenho?

Cosette disse...

Abraço forte? Levei um pito que só visto! Hahahahahahaha. Conhece nada, o meu irmão conheceu alguns e diz que não consegue opinar porque todos eles têm uma grande carga de sentimentos depressivos. E o pior é que ele tem razão.

Jean Valjean disse...

O quê da ciclotimia está em poder, quando se está na crista da oscilação, contemplar mais lucidamente o vale.
Não lhe parece?

Cosette disse...

A mim parece. Ele não faz a mínima ideia do que isso é (: