quinta-feira, 29 de abril de 2010

Se há vida após a morte

Não raras vezes ponho-me a pensar longamente acerca do assunto.
António Vieira, duma certa feita, disse temer a imortalidade, e jamais a morte.
Os católicos vêm a morte com fórmulas prontas: é assim, e pronto. Desde o concílio que instituiu o purgatório (Latrão? Não sei, depois eu vejo no Google), ou seja, há cerca de 15 séculos, nada mudou. Santo Tomás (sim, li muitos volumes da Suma Teológica), Santo Agostinho ('vide' Confissões, Solilóquios e outras), entremearam dúvidas e certezas. Suas certezas eram crivadas de dúvidas e emolduradas pelos dogmas.
Conheço a obra inteira de Allan Kardec. E quando digo 'inteira' é inteira mesmo: não só o Livro dos Espíritos, dos Médiuns, o Evangelho, a Gênese, o Céu e o Inferno, as Viagens, O que é o Espiritismo. Não. Todos os volumes da Revista Espírita também: uns 11 ou 12 anos de publicações.
Depois vieram os seguidores dele: Léon Denis, Ernesto Bozzano, Gabriel Dellane, etc. No caminho não faltaram os historiadores europeus do espiritismo, entre eles o célebre Arthur Conan Doyle. Depois desemboquei no Brasil. Sim, li a maioria dos livros psicografados por Chico Xavier. Comecei por toda a série Nosso Lar (são uns 15 livros, já nem lembro), li todos os ditados por Emmanuel: romances, filosóficos, etc. Yvonne do A. Pereira, Zylda Gama e outros, como a Zíbia Gasparetto, e até os mais modernos, como Patrícia, que foram 'modernizando' a visão que André Luiz trouxe para estas plagas Tupiniquins.
Coração do Mundo, Pátria do Evangelho? Hm...
Acompanhei a briga da família de Humberto de Campos Veras (segundo os espíritas convictos, o Irmão X) contra Chico e seguidores. Bezerra de Menezes, vivo e desencarnado. Boa parte (considerável mesmo) da obra psicografada por Divaldo Pereira Franco, a cujas palestras andei assistindo, bem como participando de seminários longos, na década de (19)90.
Sim, escrevi dois livros, afora artigos em jornais especializados. Alguns foram traduzidos para um ou outro idioma.
E?
Bom, chegou um dia em que notei que meus conhecimentos eram todos fundados naquilo que eu chamava 'fé'. Quando fui comparar as informações de romances históricos de Emmanuel com as de grandes historiadores da Bíblia, desde Sholem Asch, passando por vários dos mais célebres e sérios pesquisadores franceses e italianos, percorrendo os romancistas percucientes, como Sienkiewski, encontrei um 'gap' insuperável entre o que a história trazia e o que ela não trazia, nem podia trazer.
Àquela época dava aulas (que pretensão...) de espiritismo, e me vi a 'voltar' pela estrada de Damasco que jamais percorrera. Eu não fui à cata de Ananias, não. Eu me vi fugindo dele. A luz não me deslumbrou, mas a escuridão. E quando alguém me perguntou 'quo vadis?', eu já nem sabia responder, nem muito menos quis voltar para as plagas donde viera (e às quais fugia).
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Os parapsicólogos não me foram estranhos. Li muitos. Desde o popular René Sudre até as obras menos sérias, do Padre Quevedo (algumas, 'data venia', são de a gente dar risada, pela fragilidade das experiências relatadas...). Estudos acerca do ectoplasma (que hoje está mais que comprovado: é uma emanação do citoplasma da célula e já foi amplamente analisado em laboratório).
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Larguei tudo, fiquei com os filósofos, os poetas e com a essência, a seiva das religiões.
Não me interessam mais os ritos, as formas de 'adorar'. Não tenho religião nenhuma, mas me sinto profundamente religioso. Toda religião séria traz em seu bojo o amar a deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Contudo, esse deus é incognoscível, imperscrutável... então o que me resta? Entrei num período agnóstico: há deus? provavelmente há, mas não pode ser que 'pare' para interferir em nossa vida. Entretanto, se ele existe, criou leis. E tais leis, queiramos ou não, são cumpridas. Não gosto muito de tratá-lo por 'ele', pois pronomes não deveriam indicar quem a rigor não tem nome (nós inventamos milhares deles, e eu pergunto: para quê?).
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Digamos que a religião me 'humanizou'. Precisei ler mais de 2000 livros para ganhar uma gotinha de entendimento. O real conhecimento não é o que se recite de cabeça, mas o que se instale no coração. Hoje nem gosto mais de citar trechos e mais trechos de filósofos e pensadores, como antigamente fazia. Tudo é vão. O conhecimento que se adquire, quando se o adquire realmente, cala-nos a alma e a boca. Quem conviva comigo hoje sabe que não discuto religião, mas procuro viver, anonimamente, os preceitos básicos do amor. Não gosto da palavra caridade, pois na mente do religioso é ajudar, e muitas vezes de cima para baixo: eu estendo a mão, eu que estou em pé, para você, que está sentado ou deitado. Não gosto disso. Os grandes religiosos, sejam de que religião forem, ou mesmo ateus, são realmente (e não forjadamente) humildes. René Sudre, no 'Petit Traité', diz que a verdadeira humildade é o ateísmo na primeira pessoa. Esses grandes religiosos jamais ajudaram senão na horizontal. Muitas vezes nem sabiam que estavam ajudando, embora estivessem.
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Huberto Rohden, de uma certa feita, disse que se houvesse mesmo um céu, lá haveria mais ateus do que religiosos. Concordo. Ele falou dos religiosos rotulados. É que o ateu - normalmente um nome preconceituoso que se dá para os que dizem não acreditar em deus algum - de hoje é membro de uma nova e estranha religião que se defende com unhas e dentes. Mas o ateu do passado não era 'fashion', era mais desinteressado. E muitos ajudavam a sociedade apenas e tão-somente pelo prazer de ajudar, para ver o mundo ao seu redor mais equilibrado!
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Ah, qualquer dia falo mais sobre isso. É que hoje, que me sinto, aos poucos, a retirar-me da vida material (tenho a sensação de que não vou viver muito, não), volto a Vieira: seria muito fácil se houvesse a morte - fosse ela panteísta ou niilista, a volta do leão ao nada ou à 'leonitas'. O problema é se para lá do chisteado 'nec plus ultra' houver alguma coisa. O lado de lá, em Kardec, é bem diferente do lado de lá de André Luiz. A psicografia de Chico Xavier e Divaldo Franco muitas vezes não bate com conceitos do Livro dos Espíritos, nem da Gênese. O espiritismo, no Brasil, ganhou contornos, pasmemos novamente, muito católicos. Hoje há, aqui, os espiritólicos e os católicos reencarnacionistas. No tempo de Kardec ele aceitou que se denominassem espíritas um grupo de ingleses que não acreditava em reencarnação. Cá entre nós: ser religioso não é acreditar nisso ou naquilo. Ser religioso não é acreditar, mas viver algo sincero, gostoso...
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Talvez estivesse certo Nietzsche: o único cristão verdadeiro foi o cristo, e o protestantismo é a hemiplegia do cristianismo.
Por mais que se digam assim, não existe religião ocidental alguma que seja realmente monoteísta. Ou os santos são deuses secundários, ou os pastores mesmo, ou então os médiuns, os espíritos ditos puros, enfim, quem seja. E sinceramente, o que importam essas classificações?
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Outro dia vi um sujeito, na rua, tirando o seu casaco para vestir um mendigo que sentia frio. Talvez um dia não haja mais ninguém, no mundo, sentindo frio.
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Qualquer hora digo alguma coisa sobre as religiões orientais. Falei, falei, e não disse nada. Isso tem se tornado lugar comum em minha vida.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Tio, eu te amo, tá? Porém....


Eu não entendo esta tua…digamos…admiração pelo Thiago Lacerda. Tentei ignorar o teu post anterior, mas não consegui. Vamos lá ver se conseguimos colocar os pontos nos i’s.
Lembro-me como se fosse hoje: 1999, nós lá no nosso interiorzão, calor dos infernos, vento nulo, chuva ainda mais nula, 42º C na sombra, eu comendo as porcarias do costume, você me fazendo companhia, os dois sentados num sofá de plástico beeem transpirante, daqueles em que só conseguimos sair de cima se nos arrancarem com uma espátula. Lembra? Pois é, eu tinha os meus dez, onze anos, você….Bem, você não vem ao caso.

Nesta época estava passando uma das novelas mais bonitas da Globo, – na época em que a Globo ainda produzia alguma coisa prestável – a Terra Nostra. Novela esta em que os actores principais eram nada mais, nada menos do que a Ana Paula Arósio e o Thiago Lacerda. Veja bem, na época, todos os homens minimamente bons da cabeça – das duas – olhavam para a Ana e babavam rios de gosmas labiais - e outras inhanhas - pela mulher. Até eu, pequena e indefesa criança, babava rios pela criatura. Mas você não, pouco tempo depois, eu vim me aperceber de que você assistia a novela para ver aquele que veio se tornar – não vejo eu a razão – um dos maiores sexy symbols do Brasil!
Eu reconheço que o cara é bonito, mas atenção: B O N I T O. Não é lindo e maravilhoso como você diz. Eu acho a sua beleza extremamente enjoativa, e isso provavelmente se deve ao facto de a Globo ter explorado a imagem do homem até não poder mais. Mas ok, gostos não se discutem(?).

Passemos para o ano 2000: Ano da novela “Laços de Família”. Eu ainda morava no interiorzão, você não. O Insensível, infiel, malvado e cruel me deixou lá, derretendo no sofá de plástico, como uma coisinha insignificante, mas ok, avante! Apesar do trauma do abandono, você ia lá, às vezes, passar os finais de semana e as férias – quando você ainda se dava o direito de tirar férias(!) E nós, sentados num sofá agora revestido com um pano qualquer para se evitar maiores pesadelos, assistíamos alguns episódios enquanto comíamos paçoquinha. O rei da parada era o Reynaldo Gianechini. Ah, este sim…Eu, com os meus doze aninhos recém conquistados, te fazia companhia na babação. É claro que o meu tiozão também admirava as mulheres e tal….Mas o Reynaldo…Ah, o Reynaldo não tinha para ninguém! Sempre que ele surgia, enfiávamos uma paçoquinha na boca e a engolíamos sem a mastigar. Bons tempos…

Por fim, 2001: “Presença de Anita.” Eu já nem sequer tinha notícias tuas, seu desgraçado! Aliás, até tinha…Eu, com os meus 12 aninhos, prestes a completar 13 de existenciazinha, te ligava umas três vezes por semana para falar do traseiro do Mayer. Ah…que homem!! Nele sim, eu babava pra caramba, mas você, seu cruel, me desiludiu. Queria lá saber do Mayer! Ainda estava vidradão no Thiago Lacerda! Pouco tempo depois, me vidrei no Chico Buarque…e você babava pelo Lacerda. Aos 14, me encantei pelo Robert de Niro, e você já vinha oscilando entre o Thiago e o Reynaldo, mas se negava a aceitar a minha relação com o Mayer.

Aos dezenove, eu passei a fazer parte desta comunidade do orkut: “ Eu daria para o Chico!”  e você só faltou me bater! Enfim, hoje eu tenho quase 22 e você…….hum….não vem ao caso! O Thiago já é pai, está mais feio do que nunca – com barba parece um monstro -, mais velho, cansado e usado, e você continua com o mesmo fascínio pela criatura! Tio, eu te amo tá? Mas tem certas coisas que simplesmente não dão para engolir feito uma paçoca…

terça-feira, 27 de abril de 2010

Entre o certo e o errado

Entre as pessoas ditas normais e os psicopatas há uma linha mental tênue, mas que na prática, na exteriorização, é um abismo: o agir ou não agir em determinadas situações.
Pausa 1 - Cô, o Thiago Lacerda é liiindoooooo! Maravilhoooosoooo! Que homem, Cô, que homem!!
Pausa 2 - Acho que vou passar a vida toda entre o sim e o não, entre o que o homem chamado normal pode e não pode fazer.
Vontade de fazer determinadas coisas, todos temos; condutas anti-sociais, prejudiciais, lesivas ao direito, à sanidade, à integridade alheia, essa o homem 'médio' vai evitar.
Há proibições sociais que parecem muralhas e, sejam usadas para proteção, sejam usadas para visitação, não deixam de ser muralhas. E a gente sabe que essas só se escalam e/ou se trespassam ou com muita violência ou se o próprio obstáculo (bélico, por que não) tenha uma passagem.
Há distâncias curtas, mas que não vou poder percorrer, pois há fossos ao meu redor. Nos fossos, crocodilos. Não há pontes.
Não são gaps, mas bridgeless chasms.
Se alguém me vir escalando paredes enormes, no vão tentame de ultrapassá-las, não me impeça, por favor. Eu prefiro cair, mas encontrar a liberdade.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

"Inconvivível"

Assim como o Antônio Rogério Magri criou o neo(i)logismo "imexível", estou criando o meu: "inconvivível".
É o c* da minhoca: à medida que o tempo passa eu vou me tornando mais insuportável. Está difícil conviver comigo. Às vezes acordo pela manhã, olho minha imagem incongruente no espelho e já fico invocado. As sobrancelhas grossas, a testa cada vez maior (deve caber chifre à beça nela, tá?), o nariz que parece uma batata doce cozida, a boca que parece um morango passado.
Quanto ao humor, acho que nem preciso falar: eu e meu ego andamos lutando por espaço na cama, que já não nos comporta a ambos, embora seja de casal.
Esta porcaria que trago no meio das pernas ainda serve para fazer xixi, e por isto devo ser grato à Mãe Natureza, pois daqui a um tempo...
Havia um amigo meu, ex-seminarista (hoje ele já não está entre nós), que atingiu um momento assim tão chato e triste da sua vida, que começou a comprar sapatos apertados, só para ter um prazer: tirar os sapatos, quando chegasse à sua casa, à noite.
Que tipo de prazer posso dar a uma mulher, hoje em dia? Sei lá: sair de cima, lavar a louça, fazer um rango, de vez em quando. Ah, tomar um banho, também - afasta o mau-cheiro que me assola os pensamentos.
E por falar em pensamentos, os meus são nefastos: morceguinhos voam ao redor deles, querendo sugar-lhes a (falsa e pútrida) essência.
Do tobogã da vida, já estou eu quase embaixo. Olha, não é embaixo tipo no fim da descida, não. Já acabei de descer e agora estou para me esconder sob o tobogã, ou seja, debaixo dos traseiros - sejam eles gordos, magros, estufados, chapados, retilíneos ou curvos - que vão passar sobre a minha cabeça.
Sempre fui um trapalhão. Nunca esqueço uma vez em que comecei um estágio, e tinha de usar gravata. Nervoso, naquele dia tive de ir ao banheiro - era uma repartição pública. Uma dor ventral daquelas que maltratam a gente. Uns espasmos estranhos. Parecia que ia nascer um bebê (e olhem que eu nem estava grávido). Comecei a respirar pela barriga, firmar o diafragma e nada. Tudo bem, entrei no sanitário e lá não teve jeito: parto natural, com direito a barulheira - a bateria da Beija-Flor, da Mangueira, da Unidos dos Engravatados, tudo fora do ritmo, tudo tão banal, tão humano e desairoso...
Ao fim, aquela coisa maravilhosa: dar uma limpadinha básica no fiofó. Comecei sentado e, para o serviço ficar mais perfeito, levantei. Peguei o rolo de papel higiênico nas mãos, e por algum motivo alienígena o desgraçado me escapou dos dedos e foi ao chão. Quando abaixei para pegá-lo, tooomeeee, Jean Valjean! Lá estava a sua gravata MERGULHADA NA PRIVADA. Da ponta à metade!
Dia agourento. Acabei de limpar a cauda, tirei a gravata, joguei no lixo e saí do "banho" (gostou, Cô?) suando frio e tremendo: de cansaço, de irritação, de ... sei lá mais do quê.
Na repartição, o chefe me pergunta de minha gravata. "Sabe, Sr. Raphael, derrubei mostarda nela, e não consegui limpar. Joguei fora." E ele, brabo e indignado: "Amanhã traga duas gravatas, pois aqui, sem gravata é igual a sem emprego."
Ops!
De lá para cá, o que mudou em minha vida, fora as desilusões, as desesperanças e a triste realIDADE que vem com a real idade? Acho que nada, senão que estou mais chato e também que aprendi a não mergulhar a gravata na m*...
C'est ça.

Centésima postagem?!

Sobrinha, a sua postagem abaixo foi a de número 100, você notou?
Quem diria que este humílimo projeto passasse de umas 20 postagens...
E veja que houve um monte das minhas, antigas, que uma determinada vaca apagou!
Estamos aí, firmes e fortes - você, naturalmente, bem mais firme e bem mais forte do que eu.
Parabéns!

domingo, 25 de abril de 2010

Rasuras.



Eu sei porquê é que eu não sei aquilo que sou. Porque hoje nada mais sou do que um papel rasurado onde, antes de o ser, continha tudo aquilo que eu supostamente era e nunca soube. Não sabendo, conforme crescia, fui riscando aquilo que deveria ter sido, e aos poucos fui não-sendo.
Hoje, quase rasgando, com uma borracha tento apagar os rabiscos que fiz, de modo a conseguir ler o que lá fora escrito. Besteira a minha, visto que a borracha não apaga a tinta, e as palavras lá contidas jamais voltariam a ser o que eram.

sábado, 24 de abril de 2010

O primeiro filme erótico

Eu devia ter uns 18 anos? Talvez. Aí arrumei uma namoradinha legal, a coisa fluía bem, até que um dia começamos a transar. Eu era novato, embora não fosse 0 km. Ela estava em condições similares.
Estávamos aprendendo quase tudo, e eu, o geniozinho do casal, tive uma idéia brilhante:
- Que tal tirarmos um filme pornô na locadora, para vermos juntos?
Ela, animada:
- Ótimo!
E fomos lá, um tanto quanto envergonhados. O rapaz da locadora já me conhecia, embora não a ela. Entrei, ou melhor, entramos:
- Oi, boa tarde!
- Boa tarde, Valjean! Vai levar um clássico hoje de novo? Temos um Buñuel sensacional, você quer?
- Ah, hoje não, obrigado. Na verdade, gostaria de levar um filme para ver com ela.
Ele me olhou e sacou:
- Já sei! Algo mais romântico: "E o vento levou"? "Dr. Jivago"? Alguma comédia romântica norte-americana?
- Er... não.
A vergonha me consumia. O cara já estava com seus quase trinta, era mais experiente do que eu, e eu lhe disse, ainda que um pouco ruborizado:
- Você não tem algo assim ... digamos... mais forte?
- Mais forte? Você quer um pornográfico? "Fudeção" mesmo?
Bom, aquilo bastou para acabar com quaisquer paredes de acanhamento.
- É, pode ser.
E então ele nos conduziu à prateleira da pornografia. Eram filmes nacionais, japoneses, norte-americanos, alemães, poloneses, e com uma vantagem: tudo se entenderia. A linguagem universal dos gemidos, as caras de gozo forçadas, as posições de contorcionismo...
Escolhemos um filme norte-americano que ele mesmo indicou, com os agradáveis dizeres:
- Pode levar, Valjean, que aqui é 'pau na b... e na b... o tempo todo, tem felação, cunilíngue e tudo o que você possa imaginar'.
Ótimo. Paguei o valor da locação e fomos para casa, animados, pois seria só nossa por dois dias: meus pais viajaram, meus irmãos estavam na casa de uma tia.
Cheguei animadíssimo, liguei o videocassete e logo começou a coisa:
Um negão de 2,00 m, com uma jeba de dois palmos, grossa como a minha perna, entrou enristado num quarto onde uma mulher branca como a neve, que ele chamava de 'snow flake' por razões óbvias, já estava na cama, nua e de pernas abertas.
Para efeitos do filme, ela estava se iniciando no sexo; o estranho é que quando ficou de quatro a gente não sabia que buraco era maior - o de trás ou o da frente -, a ponto de o obelisco do crioulo, aquele pau enorme de jumento, nem fazer muito esforço para entrar lá. Às vezes a gente até pensava que era o badalo de um grande sino, mas vá lá.
Olha, sinceridade: quando vi aquele membro, revi meu conceito sobre membros. O meu sempre foi uma coisinha normal, nada além do desejável, e o do cara era um braço. Ele podia ir lá e penetrar a mulher (quase virgem, coitada) em qualquer posição, por horas a fio, e eu, pobre de mim, 15 minutinhos e... aaaaaaaarggggghhhh! Ui! Não guento mais, querida, eu vou ... aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaahhhhhhhhhhhhhhhhh! Eu fui!
Tinha tudo para dar certo, mas o pau do negão entrou na minha alma. Eu não consegui fazer outra coisa, que não ficar embasbacado, aterrorizado e cheio de inveja daquele picalhão, daquela berinjela gigante, e querer me matar pela minha cenourinha da turma da Mônica.
A ereção dele era a ereção de um guindaste. Se a branquela quisesse fazer barra ou mesmo os giros olímpicos no troção do cara, ah, fazia, fácil. Ela pegava o foguetaço com as duas mãos (que não conseguiam se fechar!) e ainda sobrava a cabeça, ou melhor, a cabeçona inteira e mais um pedação do pescoço para fora. Se existisse camisinha para ele, seria camisola, macacão ou aquelas capas de chuva imensas, sabe? Se fosse camisinha comum, ele usava como boina, e ainda com o risco de estourar tudo. Na boca da 'virgem' branca de neve só cabia um pedaço do cerebrozão do vigoroso tronco de ébano. Pobre de mim, que quase tinha que fazer uma dobra na camisinha júnior que comprara na farmácia. Ai...
De tesão a depressão em 40 minutos de ereção (dele, é claro, pois da minha parte...).
Aí o filme passou, acabou, a mulèzinha gozou umas 87 vezes, os jatos de esperma do sujeito pareciam esguichos de lava-rápido, ou de mangueira para incêndios de grande proporção, afora que ele deu umas 10 sem tirar de dentro.
A parte boa foi que ao fim do filme ela olhou para mim e disse:
- Valjean, tamanho não é documento...
Original mesmo. Acho que meu infinitésimavô já ouvira aquilo de minha infinitésimavó.
Ela viu meus olhos murchos e tentou me ajudar:
- Pense que ele é negro.
Quase peguei uma cruz de prata que minha mãe pendurava na parede, para dar na cabeça da boçal, mas me contive. Eu não queria revelar com palavras, nem com gestos, que o 'extintor de incêndio do negão' me deixara absolutamente envergonhado da minha míni 'mont blanc', aquela que a palma da mão até esconde.
Aleguei dor de cabeça, enjôo de estômago, alguns males d'alma, e minha sensível namoradinha:
- Jeanzinho?
- Como assim Jeanzinho? Você sempre me chamou de Jean! A pata do negão impressionou você?
E ela, caridosa:
- Que nada! Ia me machucar!
Encerrei o assunto, para ela não dizer que eu lhe faria còsssquiiinhaaaa. Vaca.
Fui devolver o filme na locadora, SOZINHO, É CLARO, e o cara, sabido:
- E aí, Valjean, gostou?
- É, foi bom.
- Você viu o tamanho do caralho do crioulo?
- Ah, nem notei nada de especial. Não é normal?
- Que nada, Valjean, dá quatro do meu!
Naquele instante, respirei aliviado.
- Quatro?
E ele:
- Três ou quatro. O cara é um artista pornô muito bem pago, porque ninguém tem uma rola daquelas.
Juro: quase beijei o cara na boca.
Fui embora, meio saltitante, pensando: bom, o meu meio-pepino japonês dá pro gasto.
De qualquer forma, naquele fim-de-semana eu e minha namoradinha não trepamos, e o namoro acabou pouco tempo depois.
Um tempo mais tarde, engatei um outro namorico. E ela sugeriu:
- Vamos ver filme pornô?
Eu, para evitar desaires e desastres, achei melhor não:
- Que tal uma comédia romântica norte-americana, ou um bom Buñuel?
Como diz minha (não tão) santa mãezinha, cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Eu tenho uma sobrinha ingrata

Eu era um homem feliz,
amado pela sobrinha.
Mas agora ela é grandinha
e me esqueceu num país
onde o idoso é remelinha,
onde a jovem é rainha,
e a gente sofre, e não diz.

Eu costumava sorrir,
minha sobrinha também.
Hoje - que dó - sou refém
dum vulcão que vi ebulir
e agora está extinto,
como eu mesmo... e eu não minto.

Ela hoje é rica e famosa
eu sou pobre, abandonado.
Estou aqui, só, largado,
e ela lá, bem garbosa.
Tem status, é toda prosa,
e eu sou um velho encarquilhado.

Não faz mal, minha criança,
o importante é tu sorrires...
mas se um dia tu me vires
mendigando uma esperança,
estende a mão bonançosa,
porque o viço da rosa
pode fazer-me sorrir.
Quem sabe então a roseira
hoje triste e dodói-zeira
não volta então a florir?

Eu tenho um tio ingrato !

ps: Não, este desenho não foi feito por uma criança de 2 anos.--'

Blá Blá Blá da Cosette, pt.III

Os cientistas e defensores do meio ambiente vivem dizendo que as más acções do homem estão afectando negativamente o Planeta, e eu não duvido. Mas basta um vulcão lá nos caralhões de sei lá onde – um vulcão cujo controle ninguém tem, e cujo nome é simplesmente impronunciável - para fazer o mundo virar de pernas para o ar.

Blá Blá Blá da Cosette, pt.II

Esta semana, uma criança morreu afogada num buraco de, aproximadamente, três metros. Ele ficava em lugar nenhum e pertencia a uma empresa qualquer. Os pais se queixam de que não havia sinalização alertando para o perigo; O Manoel da esquina diz que já havia alertado os meninos para o perigo mas, é claro, eles mandaram uma banana para o velho; A empresa, para variar, não se manifestou. E eu me pergunto: e aí? Quem trará o menino de volta? Será que realmente vale a pena apontar o dedo?

Blá Blá Blá da Cosette, pt.I

Eu não sei como é aí, mas aqui em Portugal, quem se casou pela igreja católica e hoje é separado, não se pode tornar a casar pela igreja, nem pode ser padrinho ou madrinha de criança alguma. Por um lado, para mim, esta notícia não foi surpresa nenhuma. Os católicos sempre foram, mas desde sempre mesmo, muito bons para cagarem regras aos outros. Mas não deixa de ser um absurdo, principalmente hoje, agora, nos últimos tempos em que a igreja tem tido de tudo, menos credibilidade.

Blá Blá Blá da Cosette, pt.0



Reciclar papel/ papelão, plástico e vidro, é fácil. É só colocar nos contentores correspondentes, e já está. Mas e quem quer reciclar a alma? Não posso deixá-la ao léu, pois será tóxica ao ar. Não posso abandoná-la em terrenos baldios, pois disseminará doenças. Não posso lançá-la ao mar, pois extinguirá o oxigénio das águas. Não posso queimá-la, pois sua nuvem negra transformará o dia em madrugada. Não posso dar descarga, porque ela corroerá todos os canos. A única solução que tenho encontrado, é lançá-la para baixo da cama e só puxá-la de volta para soprar-lhe o pó.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Que título, o quê? Basta de rótulos!

O que é o amor, esse sentimento cruel? Pela frente ele nos beija, pelas costas nos apunhala. Nos enche de alegrias, mas no átimo seguinte nos põe em prantos. Só se quer estar com a pessoa, e esquecemos de estar conosco, entregamo-nos para alguém e acabamos fugindo de nós.
Isso não é bom: vira vida de corpo presente, e de alma grudada a outra alma. Opa! Quem disse que o corpo da outra pessoa foi feito para abrigar duas almas, e que o nosso possa viver vazio?
Se nos amássemos em primeiro lugar, não ficaríamos abandonados.
Mergulhe sim nos olhos do ser amado, mas volte. E vá com tubo de oxigênio. Vá fundo: imergir é bom, mas emergir é essencial. Não se dê, pelo menos enquanto você não 'se tenha a si mesmo(a)', porque senão, criatura, estará a dar algo que você não tem - ilógico, ilegal, anti-psicológico.
Quem não se encontra dentro de si, muito menos espere encontrar-se em outro alguém.
Somos estúpidos o suficiente para querer duas coisas impossíveis: (1a) fugir a nós mesmos; (2a) encontrar-nos em terreno alheio. Bobagem! Ninguém escapa à própria sombra, a menos que se apaguem todas as luzes (e é idiossincrasia nossa desejar a luz). Ninguém se encontra em plagas que nem ao menos conhece!
Seremos D. Quixotes lutando contra moinhos de vento? Cândidos atrás de um Eldorado sem valor real? Cunegundas sem um pedaço do glúteo, envelhecidas?
Quantas viagens introspectivas ainda teremos de fazer, para lograr vencer esses padrões estultos, impensados, que nossos antepassados, burra e mecanicamente, nos impuseram?
Acorda, pô!

terça-feira, 20 de abril de 2010

Só aqui...


Ia eu caminhando diante da igreja, quando…
- Filha…!
Era uma senhora. Daquelas que andam vestidas de negro. Pensei comigo: das duas, três – Ou é uma viúva; Ou é uma cigana bem bigoduda cheirando a vela queimada; Ou é uma mulher bomba querendo me fazer refém. Fosse o que fosse, respondi:
- Sim?
Ela aproximou-se, agarrou-se no meu braço e lançou esta pérola:
- A menina toma banho todos os dias?
Pensei: “Hein??!”, respondi:
- Tomo…
A velha arregalou os olhos e continuou:
- E lava-se?
Pensei: “WTF?”; respondi:
- Sim…
Nisso, veio uma outra senhora com um ar assustador, e disse:
- O certo é tomarmos banho só aos domingos, antes da missa.
Todos nos olhavam. A outra continuou:
- É verdade. Durante a semana, só passamos um paninho húmido, sabe filha? Lá nos sítios…e já está.
 No mesmo momento, um homem que também saía da missa, aproximou-se e exclamou:
- Mas que porcas do cu'aralho! Vocês não sabem que…
Um rapaz - talvez o filho - foi mais rápido do que ele e bradou:
- Cheira-me a bacalhau!
Calou-se após três tabefes da mãe.

E eu nessa situação toda? Me despedi sorrindo, quase vomitando o pastel de natas.

domingo, 18 de abril de 2010

Reclamação

Já reclamei disto uma vez. Não lembro se o fiz por escrito, ou se só verbalizei a porra do sentimento, mas o assunto não é novo.
Por quê, ó forças da natureza, por quê? Por que eu não sou um cidadão comum, do tipo que come, evacua, vai à igreja, constitui uma família, torce para um time de futebol, compra um carro e se realiza?
Por que eu tenho de ser esta merdamorfose que não se ajusta a moldura nenhuma? Por que eu tenho de ser este minhocossauro, diferente de tudo e de todos, e que se transmuta a cada instante? Não dava pra eu ser do tipo que os códigos antigos chamavam de homo medius, bonus pater familiae, etc?
O ônus (ou seria ânus) de ser uma impressão digital anômala é pesado demais para minhas costas, viu?
Cazzu.

Hipocrisia(s)

Madrugada insone e, coincidência ou não, ouvi um pastor de uma igreja protestante X e um padre (cada um num canal de televisão... provavelmente deles) falando dos males da "fornicação", dos "prazeres pecaminosos do sexo", das volúpias indômitas da luxúria.
Na hora, pensei: hipócritas! Ah, se as pessoas usassem a boca mais para fazer sexo do que para falar, o mundo seria muito melhor.

sábado, 17 de abril de 2010

Espectralizando.



Eu já não faço questão que acreditem em mim. Eu mesma vivo me desacreditando sem chegar a acreditar naquilo que digo. Não faço questão que sintam a minha falta, porque eu não sinto. A minha ausência manifesta-se através da falta de espírito. Contradigo-me porque metade de mim é uma mentirosa compulsiva, e a outra é descrente. Coloco-me sempre em causa, não porque tenho fundamentos, mas porque duvido. Sorrio, mas no fundo não passo de um grande ponto de interrogação no final de uma frase exclamativa. Todos os meus caminhos vão dar à um beco sem saída. Sou ridícula. Não sei como me comportar na minha presença. Pergunto-me se existo, ou se fui abandonada pela minha existência e agora não passo de um espectro. De um espírito que pensa que existe, mas só vagueia.Talvez eu seja a materialização daquilo que não devia. Paciência, agora só me destruindo.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Eu, Jean Valjean

Eu sou sensual ... feito a dentadura, fora da boca.
Sou quente ... como uma lápide sem epitáfio.
Bonito ... igual trombada de trem com ônibus, sobre os trilhos.
Gostoso ... como buchada de bode com língua de vaca, jiló e quiabo.
Sensato ... feito leoa no cio.
Forte ... como as asas da borboleta.
Colorido ... igual ao céu nublado e, naturalmente, sem arco-íris.

As mulheres me perseguem...

...
...
...

Todas com o pau de macarrão em riste: uma é a proprietária do imóvel que alugo, pois estou atrasado em três meses, no pagamento; outra é a dona da padaria, onde faço fiado; finalmente, a minha mãe, pois não devolvi o dinheiro que peguei emprestado dela, no Natal.

É foda ser assim!

Se me conheço

Conheço-me, na medida de minha incognoscibilidade.
Sei-me, enquanto saiba a um pouco de consciência.
Encontro-me, quando fujo de mim.
Resgato-me, antes de desaparecer.

Não me conheço, na medida de minha cognoscibilidade.
Não me sei, enquanto este 'eu' sabe a inconsciência.
Não me encontro, pois sempre fujo a mim.
Não me resgato, pois que me praz desaparecer.

Quando me encontro, passo pouco tempo comigo. Impaciência completa.

terça-feira, 13 de abril de 2010


Ele cresceu no campo com mais quatro irmãos:
Um morreu sem dizer para onde ia.
O outro avisou que morreria, mas não disse quando.
O terceiro viveu quase morrendo, mas sobreviveu a vida inteira.
O penúltimo viveu sempre, toda a vida, antes do último.
E o último disse que voltaria.
(Mas que mentira!)
Ele ainda não voltou. 

domingo, 11 de abril de 2010

Curtas

O médium era tão poderoso, mas tão poderoso, que não só captou o espírito da coisa, como ainda pegou na coisa do espírito.

A ejaculação do sujeito era tão precoce, mas tão precoce, que a cueca engravidou dele na hora em que a parceira tirou o sutiã.

- Cadê o sujeito apaixonado?
- Morreu afogado no mar dos olhos da mulher amada.

- Vou para a rua. Quer que traga algo?
- Ah, sim! Se encontrar a minha dignidade em alguma esquina...

sábado, 10 de abril de 2010

Silêncio,
Calmaria.
É preciso que a vida se esvazie
Para poder se querer mais.
Entorno-a para o ralo da pia,
Abro a torneira e deixo que o lixo
Se ensaboe com a espuma.

Sou um copo de vidro,
Um corpo vazio prestes a transbordar outra vez.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Eu gosto dos que ardem, dos que caminham pelos mesmos caminhos em que se esvaem.
Dos que não desistem, nem se cansam de se desencontrarem.
Eu gosto dos reencontros dos que nunca se perderam. Dos sorrisos amarelos dos que se amaram até a morte. Gosto da morte e dos seus dentes amarelos.
Dos que amam pela metade, inundando a outra com os seus ecos.
Gosto dos quebrados, dos que mancam, dos que não temem seus flagelos.
O choro corrosivo dos que pecam escorre pelo rosto do Criador. Eu bebo suas lágrimas no meu cálice chamuscado.
Eu peco porque sou um dos Seus maiores pecados.


Eu gosto dos que ardem, dos que escorrem pelas paredes, dos que caem.
 Caminho de mãos dadas com os espectros que me invadem. Num dos braços, carrego uma cruz virada ao contrário; no outro, o sol me torra toda a carne. 
Dentro de mim, minhas desilusões dançam aos pares; lá fora, o silêncio gagueja seus pesares. 
Murcho feito uma rosa seca, enxuta e definhada enquanto tudo arde. Respiro o fumo expelido pelos meus suores e, de dentro para fora, ardo.
Torno-me carvão entre meus deslizes e clamores. Abraço-me à  fogueira antes que me matem. 
Sou pó, fuligem e miragem. 
Eu gosto dos que ardem, dos que desmaiam, dos que se deixam mastigar pela fome dos danados.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Amar - Jean Valjean

AMAR tem de ser MAR
Tem de ser MA(IO)R
Tem de (DESAR)MAR

AMAR tem de ser AR
Tem de ser (LOUV)AR
Tem de te (LEV)AR

AMAR tem de ser UNÇÃO
tem de ter J(UNÇÃO)
loucura e COMP(UNÇÃO)

Pode ter seus AIS
deve ser bem M(AIS)
sofre no JAM(AIS)

Amor, próximo e distante,
abismo sem ponte,
frenesi gritante,
libelo bifronte

Ele nos condena
ao castigo eterno
a viver no inferno
abençoando a pena.

Sobre o Medo.

Antes de escrever este post, me perguntei qual era o meu maior medo. Por incrível que pareça, levei um bom tempo tentando encontrar uma resposta. Tenho medo de quê? De morrer? Não. De ser morta, talvez. De sofrer um acidente? Não. De perder um ente querido? Não. De ficar sozinha? Não. De ser raptada por Aliens? Não, seria demasiado bom. De ficar em coma durante anos? Não, porque nunca me deixariam neste estado. Já disse para desligarem as máquinas. Então, do quê é que eu tenho medo? De cobras, ratos, tubarões? É medo, mas não chega a ser aquele medo pavoroso.Eu estou a falar de um medo que nos apavora. Que nos desestabiliza só de pensar em tal possibilidade. Tenho medo de dormir e não acordar? Não. De ser enterrada viva? Isso já está relacionado com a minha claustrofobia. Sim, talvez um dos meus maiores medos seja o de ser enterrada viva. É provável que isso aconteça? Não, porque eu quero ser cremada. Então, em que ficamos?

Eu lembrei-me deste tema, porque coisa de uma semana atrás, estava assistindo uma entrevista na GNT - no programa da Marília Gabriela - em que um psicólogo, terapeuta, médico e não sei mais o quê, dizia que o medo não era inato. Que no momento do parto, o bebé chora não porque tem medo, mas porque sente incómodo. Segundo ele, nós nascemos sem medo. O medo é cultural. Eu não concordo muito com isso. Até onde sei, o medo é considerado uma emoção primária universal, ou seja, uma emoção evolutiva compartilhada por todas as culturas, e é associado a processos neurais e fisiológicos próprios. Visto que a emoção nada mais é do que uma junção de respostas neurais e fisiológicas, não tendo nós controle(o) sobre os mecanismos neurais indutores da emoção, nós não somos capazes de exercer fiscalização completa, directa e perfeita sobre as nossas reacções emotivas.

O recém-nascido pode não saber que é medo o que ele sente, mas a verdade é que as emoções são o resultado de dispositivos bio-reguladores com os quais todos nós nascemos, e para mim é um bocado impensável que estes reguladores não se activem no acto do nascimento. E não só no acto do nascimento, não são estes terapeutas, médicos e cientistas que estão sempre dizendo que o feto sente tudo o que acontece no exterior? Porquê é que quando uma mulher sofre um acidente, uma das primeiras coisas que se faz é ver como o bebé está? Nota-se um batimento cardíaco elevado, sente-se contracções, e daí para pior. O feto sente: sente o movimento brusco, a pancada, a adrenalina da mãe, provavelmente sente dor, e sem dúvida alguma – pelo menos para mim – sente medo.

Sendo assim, duvido que aquilo que o bebé sente quando está sendo arrancado das entranhas da fémea, não seja medo. Ele esteve lá quentinho, quietinho, sossegado durante meses, e de repente, surge uma luz no fim do túnel com uma mão monstruosa e dedos compridíssimos puxando-o pela cabeça…E ele não sente medo? E mal sai ele do ninho, é virado de cabeça para baixo para levar uns belos tabefes do médico. Um monstro “ de disforme e grandíssima estatura; / O rosto carregado, a barba esquálida/ Os olhos encovados e a postura medonha e má", "(…) crespos os cabelos/ A boca negra, os dentes amarelos.” (Lembra, tio?) E é incómodo que o neném sente? Ora, façam-me o favor! Sem falar na p*ta da agulhada que lhe dão no dedão do pé…


quarta-feira, 7 de abril de 2010

Direitos que se perdem - remissão a Tântalo

Há direitos que se perdem com o tempo, com a idade.
Prazeres que eram reais, tornam-se tantálicos.
Tântalo, herói-anti-herói da mitologia grega, foi convidado para um opíparo festim no Olimpo. Acho que andava tendo um caso com uma das filhas de Zeus (uma das muitas. Rogo a quem deseje descobrir-lhe o nome que faça uma pesquisa no Google, que tudo sabe, só não sabe de China).
Quando o pobre e esfaimado Tântalo deparou com aqueles manjares deliciosos, não quis outra coisa senão furtar algum e trazê-los, do Olimpo, para os comuns mortais. E não é que foi descoberto?
Sua condenação, em virtude de tal conduta, foi a privação alimentar (pela eternidade). Se ele esticasse a mão para comer uma fruta, a árvore se afastava, e ele não lograva êxito. Se tivesse sede, debruçava-se sobre o lago e as águas se retraíam.
E assim Tântalo foi parar no inferno.
Nosso inferno tantálico está aqui. O passar dos anos é que nos traz - pelo crime de havermos vivido - a punição da retração da vida, em todos os seus aspectos.
Só mesmo quando nos inclinarmos para a tumba, então ela nos engolirá num bocado. Isso depois de termos passado muitos bocados e bebido vários cálices de amargura.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Os lindes

É tênue a linha que separa a sanidade da loucura. Entre praticar um ato desejado e apenas desejar um ato - que não será praticado - está muito da diferença entre os dois estados de espírito.
E a linha que separa o amor fraternal do amor apaixonado entre um homem e uma mulher? Não sei. Soubesse, e tudo seria bem mais simples.

Só com o tempo se conclui

O Professor Huberto Rohden dizia muito mais haver-se arrependido por falar do que pelo fato de haver calado. Eu achava lindo, sob o prisma filosófico, psicológico, e até antropológico. Hoje é fa(c)to consumado: nunca, nunca mesmo me arrependi de calar-me.
O amor, que Vinicius dizia importar ser infinito enquanto durasse, pois que, qual chama, não podia ser imortal. Lindo como poesia, imagem, reflexão. Hoje é dia-a-dia. Já vesti e desvesti tantos amores, que não sei em que guarda-roupas deixei minha última fantasia. Todos foram sinceros. Todos foram eu. Porém, não sou mais aquele eu. O que amou ficou lá, pendurado em algum armário, e continua sincero; apenas não o reconheço mais.
"Que tão cedo de cá me leve a ver-te quão cedo de minh'alma te levou". Magnânimo, sob a ótica poética, embora falso, enquanto argumento retórico e da alma: foi? Foi. Eu fico, Irineu: antes tu do que eu! Continuo pensando assim. Camões era um pegador. Começou com "alma minha" e o cacófato não o deixou superar o dolus bonus.
"Sua alma subiu ao céu, seu corpo desceu ao mar." Quando li isto em Alphonsus, fiquei extasiado. Chorei. À época, descer o corpo ao mar era, para mim, a certeza de que a alma subiria ao céu. Aí vieram as histórias de piratas, veio a vida, veio a puta que nos pariu, e... só poesia, mesmo. Pode ser que o corpo desça ao mar e a alma às regiões abissais do inferno.
A vida vai passando, e o livro que vimos escrevendo vai-se revelando aos nossos olhos como o único que fica, para o fim da existência. Os outros são só coadjuvantes. Minha Divina Comédia é o meu traçado por este mundo. O resto...