domingo, 20 de junho de 2010

Cuspo o mundo insólito que me habita. O mundo que as matemáticas não explicam, as fórmulas não decifram e os vermes, a pouco e pouco, devoram.
Cuspo o mundo que me cospe, rejeito a vida que me rejeita, verto o pranto que bebo no cálice dos dias.
Luto pelo direito de ser, já que estar não me basta. Todavia, quando cuspo esse mundo que desprezo, mergulho nele em seguida, uróboros que somos.
Seu alfa, meu ômega. Moto-perpétuo de sofrimento.
Cuspo-me, e o que regurgito é algo irreconhecível.
Sou a radiografia de meus males, a sombra de minha sombra, o reflexo de uma imagem distorcida, um sinal de crase numa palavra masculina em que não haja fusão de preposição e artigo.
Sou a errônea concordância de gênero e de número.
E nesta azáfama interior, os acentos graves ficam para todos, que não deveriam acentuar-se assim, e os agudos para os ditongos abertos que já não mais os comportam.
Cuspo o que é certo e eu desconhecia; engulo o que é errado. Por alguma razão, preciso disto.

2 comentários:

Cris Medeiros disse...

Os tormentos da nossa alma...

Bem interessante.

Beijocas

Cosette disse...

Há que exorcizar-se de vez em quando. Permitir que a alma faça a sua fotossíntese: recolher o que há de mal, transformando-o em algo que está certo.
Hoje, o que se mostra distorcido, amanhã sairá de ti translúcido, e assim sucessivamente.
Reconhecer-se não faz parte deste processo de transformação, mal seria se fizesse, pois se assim fosse o Ser seria estático.