quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

O vazio é uma árvore de eucaliptos esguia e pesadamente imensa. Ninguém dá por ela até cair no nosso solo. Até sentirmos o chão que nos sustenta cortar-se ao meio e os galhos atingirem as outras árvores à nossa volta. É curiosa a sensação de já termos chegado ao fim da meta sem sequer sairmos do lugar. De corrermos às voltas quando o circuito é em linha recta. De deitarmo-nos de barriga para baixo porque o céu caiu-nos aos pés. De andarmos de pernas para o ar porque elas apenas caminham, enquanto os dedos apontam e os braços suportam o peso da sina. Ou de caminharmos de cabeça baixa porque o sol derreteu-nos o pescoço e os olhos não se voltam para cima. A verdade é que há quem (só) se dê conta do vazio, quando (já) não existem eucaliptos para cair.

Fiar-se na luz é desiludir-se quando a chama se apaga. Sempre achei curiosa a sensação de não se sentir nada, sendo que, o nada é sentir-se desabitado e desabitar-se é deixar fundir as lâmpadas. É odiar a claridade porque ela esconde o que o negrume evidencia, e enegrece o objecto que ofusca. Desabitar-se é sentir-se inconformado com as sombras e apagar as luzes. Como se as sombras se apagassem e voassem para longe. Como se as sombras se apagassem. Como se eu pudesse deixar de ser a distância entre mim e a minha própria sombra. Como se nós, de repente, nos tocássemos.

O perfume do eucalipto lembra-me algo que eu nunca retive na memória. Traz-me a lembrança o cheiro de terra batida com o corpo de duas crianças deitadas na lama. Deitadas de barriga para baixo, porque o céu enegreceu e hoje é terra. As crianças esfregam o corpo no chão, enquanto pensam estarem no céu. E comem terra, porque as nuvens são feitas de lama.

Existem dois tipos de sem-abrigo: aqueles que só conseguem adormecer encostados à parede - porque ela é o único apoio sólido em meio a tanta opacidade; E eu, que me sinto como se fosse uma lanterna fundida que não troca as pilhas, pois é curioso ver o escuro acender-se enquanto a luz se apaga, e é estranho ver-me apagar perante a luminosidade do dia...

3 comentários:

Jean Valjean disse...

Ou você não está na casa dos 20, ou...
Não. Você de fato traz o ressaibo, a herança atávica dos filósofos-poetas que o mundo já teve. É só bater os olhos nos Textos Filosóficos de Fernando Pessoa, ou então no Livro do Desassossego, para se notar bem o que estou falando.
Cosette, vamos, confesse: você é mais velha do que eu, não é? Ah, é.
Lindo, profundo, vontade de rir e de chorar.
Orgulho do tio

Cosette disse...

Eu sou como aqueles prédios que por fora estão uma beleza e por dentro são uma lástima. Paredes lascadas, janelas emperradas, húmidos, escuros, mofados, etc. etc.etc.
Talvez seja a junção da tua idade com a do grandão, multiplicada pela minha, dividida por um. Quanto dá? 104. Ora, eu sou bem jovem!

Quanto a primeira parte do teu comentário. Adoração de tio não conta.

=D
Beijoca!

Jean Valjean disse...

Réplica: Se você está uma beleza por fora, e isso o espelho deve acusar bem, pense que os outros podem ser-lhe espelho para a alma. Eu, o espelho overseas, garanto que por dentro você está uma maravilha. Juntamos então a beleza interior com a exterior e... uuuaaaaauuuuu! Probleminhas de tps, tpm, sp, dp, &c., são superáveis. Deixe gritar bem alto o ser-humano que você prende aí dentro. Deixe-o ser ele mesmo, viver, ser livre, sorrir. Aí você me conta se por dentro o prédio está lascado ou se é novinho e cheio de móveis lindos, paredes brancas com rosas vermelhas desenhadas lá em cima, numa moldura dourada. Quer apostar?
Orgulho/adoração de tio: conta, sim! A que não conta é a de pai e mãe.