Título estranho, mas eu explico.
Cô, (...) rrija-me se eu estiver errado. "Obrar", desde o tempo em que Portugal chegou aqui, é c*gar. Há, entretanto, uma outra forma de se usar a palavra. Uma vez, quando estava em Lisboa, fui à editora Almedina. Queria comprar um livro para presentear um amigo que lê em DOZE IDIOMAS. Quando o disse para o vendedor, ele redargüiu: "Maria, mãe!, ler em doze idiomas é obra!"
Então, há obras e obras.
Eu vou falar da obra mais chata e dos vexames que a gente enfrenta, às vezes, com ela.
Quando comecei a trabalhar no escritório de que hoje sou sócio (in-industry), ou melhor, de que sou sócio há uns... hm... 3 anos (?)... bom, isso não vem ao caso. Quando comecei a trabalhar lá, enquanto humílimo advogadinho merrequento, um rábula desqualificado mesmo, estávamos todos os laboradores (eu ia dizer obreiros, mas acho que não vale a pena) num andar só. Hoje, felizmente, estamos em quatro andares e somos mais para dividir as despesas.
Voltando: àquela época, quando comecei (faz uns 8 anos e uns quebrados), ficávamos todos num andar só, com dois banheirinhos para homens e dois para mulheres.
Os banheiros, infelizmente, não tinham janelas. Você entrava, acendia a luz e uma espécie de sucção (gente, sucção aqui é no bom sentido, tá?, nada além duma coifa, um exaustor, sei lá) começava a fazer brrrrrrr, brrrrrrrrr, brrrrrrrrrrr e enquanto a gente ia c*gando o aparelhinho ia pegando aquelas emanações pestilentas e lançando à atmosfera, para aumentar o buraco na camada de ozônio com o nosso gás metano.
Um belo dia - estranho, eu escrevo, escrevo, e parece que não saio deste início de conto de fadas: era uma vez... um belo dia... havia uma mocinha, branca como a neve... - bom, vamos lá. Um belo dia, não sei o que eu comi, que logo depois do almoço me pintou uma cólica tão louca, com uma fúria tão desbragada, que eu tive de sair correndo. Àquela época, eu trabalhava na mesma sala que uma colega que todos nós chamávamos Dra. Barbie (linda, loura, olhos azuis e cabeça de plástico, oca). A Dra. Barbie assustou, pois eu sou, normalmente, bem tranqüilão. Só que não deu. De repente, meu ventre fez BBRRROOOOAAAARRRR, feito o leão da METRO, e eu parti em disparada, como se fosse o Hussein Bolt na largada dos 100m rasos.
O banheiro, muitíssimo bem projetado, ficava ao lado da copa. Melhor ainda: por ser pequenino e porque não tivesse janela, funcionava como um amplificador de som. Vergonha, vergonha, vergonha... passei correndo, e vi que na copa estavam reunidas algumas colegas que, ao menos até aquele dia, me respeitavam muito. Dei um 'oizinho' geral e entrei na casinha de força. No banco 24 horas, no ATM.
Só que obrar (prezadas duas ou três leitoras dessas minhas postagens de m*) é coisa que a gente precisa fazer em silêncio, ou melhor, sem ser ouvido, pois um ruidozinho ou outro sempre há. Se a vida fosse como as teses (em vez de como as fezes), como os sonhos, como se quer que ela seja...
Entrei lá desesperado, bati a porta, tranquei, e foi o tempo de 'disarriá as carça'. Só. Imediatamente, porém, meus freios agiram: "Valjean, você não pode p**dar alto, senão cai em desgraça pública". Sendo assim, tentei sopitar a irrefreável força centrífuga com que a m* queria sair do meu mundinho interior.
Ah, a vida... a vida é uma m*... quando soltei o primeiro punzinho, fiz uma força desgraçada para segurar a coisa, para que viesse tipo assim: allegro ma non troppo. Só que se o cérebro controlasse os movimentos peristálticos dum reto (isso, reto, tubo *nal) desesperado, e se o cérebro controlasse o coração, ou então se os intestinos e o coração tivessem neurônios, se tudo isso houvesse, o mundo seria bem melhor.
Pois é: o primeiro punzinho fez pppprrrrrrr e eu segurei o resto. Só que quando eu ouvi o pppprrrrrr não agüentei, e dei risada! Era tragicomédia! Naquele desespero, a mulerada comendo lá na copa, ao lado da casa de força, e eu p**dando e rindo. Na hora em que eu ri, infelizmente, perdi o controle do resto. Aí ficou algo assim:
Hahahahaha!
Ppprrrrr...
Hahahahahaha!
Pppprrrr...prrrrr...prrrr...prrrr
Hahahahahaha!
Prrrr....
E tome pandeiro, cuíca, atabaque e a putaquemepariu junto.
Ao lado, na copa, só ouvi algo assim:
- Ai, vamos sair daqui que o Jean tá maus!
E uma outra voz:
- Nossa! Parece cerimônia de exorcismo! Sai, capeta!
E uma terceira:
- Ai, que nojo, vamos embora! Tão educadinho, mas...
Meu, que humilhação. E eu lá dentro, suando frio, tirei a camisa, de tanto calor. A coifinha, pobre, nem dava conta do recado. Eu tinha uma usina atômica para des-cerrar, e a pobrezita com aquela capacidade reduzida, de pegar punzinhos avulsos, e jamais crises de Escherichia colli, Staphylococcus aureus e outras quimbandas do gênero.
Quarenta minutos, mais ou menos, de prazer e dor, riso e reação, pride & prejudice, humano e divino, Yin-Yang, alfa e ômega, zênite e nadir, &c.
Terminei o serviço, ou melhor, a obra, limpei-me, usei lencinhos perfumados no rego (sempre os trago comigo) em seguida e daí fui lavar as mãos, o rosto, molhar os cabelos... saí de lá me sentindo o Shrek, o Beowulf derrotado, ou então El Cid, já empalado, sei lá.
Na copa, ninguém. Tudo havia sido largado como estava: maçãs mordidas, pratos metade comidos, copos semi-cheios, guardanapos apenas deixados sobre a mesa.
Voltei para a minha sala, e a Dra. Barbie me diz:
- Jean, onde você estava? O chefe já ligou aqui três vezes, quer que você vá à sala dele com urgência!
Agradeci e fui à sala do chefe. Ainda bem que era longe da minha, e ao mesmo tempo uma pena que fosse bem longe da minha... é que o bem e o mal andam de mãos dadas neste mundo: em cada sala por onde eu passasse, um sorrisinho velado, um olhar de reprovação, e até um colega que me deu um tapinha nas costas, irônico, e lançou esta:
- E aí, Jean? Abriu a porteira ou o estouro da boiada quebrou a cerca?