quarta-feira, 3 de março de 2010

Ires-e-vires da vida

Tu constróis ídolos, mas alguém, irrogando-se direitos que não há, os destrói. Teu iconoclasta de plantão totemiza os teus tabus e destes faz novos tótemes. Antes deixasse o vácuo no local. Deixasse o tempo e o espaço, juízos a priori, porque de juízos mal conformados estamos refertos.
Tu estás a andar por uma estrada, em completa soletude, e um hodierno Procusto te seqüestra, leva-te, cimitarra à glote, até o leito, e lá te deita, até que morras. Antes morresses pelo corpo que pela alma, que de corpos o mundo anda cheio; de almas, anda bem carente.
Tu te mostras lidimamente à turba multa, e dás a outra face, sempre que te espanquem uma. Arrancam-te o pescoço e te penduram os restos em praça pública, para vitualha dos olhos ferozes que passam em desfile. Querem também até a tua quarta geração.
Que te digo, infeliz companheiro? Que não construas, que não andes, que não mostres? Não. Digo-te apenas que sejas o que és hoje, porque o que serás amanhã tu ainda não sabes; e o que eras ontem já não é mais tu, mas o passado do pronome pessoal do caso reto, que se conjuga, em matéria de vida.
Cospe ao mundo a tua índole. Masturba-te na ágora e esquece que há alguém ao teu lado. Não há, de fato, ninguém ao teu lado: estão acima, a pisar-te os olhos.

2 comentários:

Cosette disse...

É tão forte, que dói. É tudo tão dolorosamente verdadeiro, que chega a ser prazeroso. Deve ser por isso que li ontem à noite e duas vezes agora de manhã (?)...é meio-dia, é mais ou menos de manhã...
Apesar de te preferir bem alegre, não deixo de gostar do teu lado, hum....osbcure.

Um beijooo

Jean Valjean disse...

Nós dois, se dermos azo ao lado escuro, vamos escrever em preto no fundo preto. Não é assim?