sexta-feira, 12 de março de 2010

SER FELIZ...

Li em manchete da Folha de São Paulo (se não me engano, do ano passado... ou teria sido retrasado? - bom, o que importa é que o tema volta à tona) que não sei quantos por cento dos brasileiros se dizem felizes. O percentil é assustadoramente grande: perto de 70% (!?)
Ora, ora... será que estão falando d'essa felicidade que supomos, árvore milagrosa que sonhamos toda arreada de dourados pomos?
Não posso crer. A pesquisa é tendenciosa, ou superficial, ou... hm... bem, já estamos de novo às vésperas das eleições. Faz parecer que o Brasil é um mundo... hm...
Desculpem-me, continuo com a teoria da Geni (que descrevi detalhadamente em minha encarnação passada e pincelei abaixo), e vou me apoiar em Voltaire.
Como já recebi, um dia, reclamações de pessoas preguiçosas que não querem ler um livro inteiro, dizendo que eu deveria mencionar página e edição da obra consultada, vou fazê-lo:
Tenho em mãos "O Filósofo Ignorante", de Voltaire, tradução de Antonio de Pádua Danesi, revisão de Claudia Berliner, Editora Martins Fontes, ano 2001, e estou com a obra aberta nas páginas 73 e 74.
Diz o autor:
"
Quase sempre os homens se limitam a entrever o que examinam (...). O homem certamente só pode querer as coisas cuja idéia lhe está presente. Ele não poderia ter vontade de ir à Ópera se não tivesse a idéia de Ópera; e não desejaria de modo algum ir lá, e não se determinaria de modo algum a ir lá, se o seu entendimento não lhe representasse esse espetáculo como uma coisa agradável. Ora, é nisso mesmo que consiste a sua liberdade; é no poder de se determinar a si mesmo a fazer o que lhe parece bom (...)."
Num país de famintos, um auxílio do tipo "bolsa família" faz dum presidente de república um emissário divino. O problema é manter o povo com fome justamente para dar-lhe um auxílio econômico precário e fazer-se passar por emissário divino.
Há mais: Sérgio Buarque de Holanda explica profunda e detalhadamente o homem cordial. Um idoso cuja saúde ande bem, e que possa fazer exercícios regularmente, e que tenha seu dinheiro para sobreviver, há-de, comumente, considerar-se feliz; duas pessoas em idade adulta que vão à academia, tenham um carro bonito, morem num bairro nobre e freqüentem os melhores restaurantes tendem a sentir-se felizes.
É novamente o antropocentrismo à Tycho Brahe: tudo roda ao redor do sol, desde que este orbite ao meu redor.
Não vai aqui nenhuma crítica destrutiva aos entrevistados, mas aos critérios de pesquisa. Quantas pessoas são capazes de pensar, senão em sua ascensão própria, na ascensão social integral?
Ser feliz dentro da concha do individualismo é sê-lo dentro de uma casa com cercas elétricas, dentro de um carro blindado, dentro, sempre dentro.
Andar pelas ruas de São Paulo (cujas esquinas estão abarrotadas de miseráveis pedindo esmola, flanelinhas limpando retrovisores, lava-vidros jogando água melosa em nossos pára-brisas, estropiados com sondas intra-nasais implorando alguns centavos e outras demonstrações de horrores) com um carro de luxo é o reflexo de que a felicidade, como se a supõe freqüentemente, é uma ilha paradisíaca em cuja orla há tubarões ameaçadores.
O crime organizado governa o Rio de Janeiro e São Paulo; parece-me que governa Brasília – ou melhor, o Brasil, também, mas a sigla não é PCC ou CV.
Aí eu ligo a televisão e vejo o Lula com cara de anjo (o Lula e o Netinho... um faz cara de anjo para cantar, outro para discursar, e cada um espanca sua Geni a seu modo), dizendo que o Brasil cresceu, que os outros só falam, e o povo exige de mim que mantenha o bom-humor.
À merda!

Um comentário:

Cosette disse...

É, as pessoas confundem Felicidade com felicidade. Actualmente, as condições deploráveis em que (grande) parte do povo brasileiro (e não só) se encontra, fazem com que um saco de arroz simbolize (erroneamente) a Felicidade. Talvez, porque seja esta a única maneira de não se sentirem desafortunados. Como foi tão bem dito, no fundo, tudo isso não passa de uma série de associações. Para uns, a Felicidade é ter comida no prato todos os dias. Para outros, é ter uma garagem cheia de carros topo de gama. Para uns, é abandonar tudo e todos e ir viver como viviam os homens das cavernas. Para outros, é viver numa metrópole, respirar poluição, aventurar-se, etc. Quando perdem tudo isso, ou então, quando nem sequer conquistam, dizem-se infelizes. Como se a verdadeira Felicidade fosse encontrada dentro de um saco de arroz; ou num motor de 5648394 mil cavalos; ou numa cidade de 3095398 bilhões de habitantes. Há, e ainda existem aqueles que encontram a felicidade num pote de ovos-moles, mas isso não vem ao caso.
Já eu, não a encontro em lugar nenhum. Nem sequer a procuro. Ela sabe onde estou, por isso, ela que venha até mim.